Terrence Malick é um cineasta movido por inquietações filosóficas, um artesão do efêmero que, em “A Árvore da Vida”, busca algo que ultrapassa a narrativa convencional. Sua obra não se contenta em apenas contar uma história; ela deseja alcançar camadas mais profundas da experiência humana, evocando sentimentos e memórias que ressoam de maneira quase universal. Para isso, Malick mergulha em suas próprias recordações e emerge com um enredo que, embora aparentemente simples, carrega uma ambição imensa: tornar íntima e tangível a grandiosidade da existência.
A essência do filme está na tentativa de fazer com que o espectador enxergue sua própria trajetória refletida na saga da família O’Brien. É uma aposta ousada, que se concretiza na harmonia entre o requinte formal e a sutileza narrativa, algo que encontra sua melhor tradução na fotografia de Emmanuel Lubezki. O diretor de fotografia, um mestre em transformar imagens em poesia, constrói enquadramentos que dispensam palavras, conduzindo a experiência de forma quase instintiva. A luz, os ângulos e os movimentos de câmera criam uma conexão visceral com o público, como se cada cena estivesse impressa em nossa própria memória.
O cenário é o Texas dos anos 1950, um espaço onde os personagens transitam entre a vastidão dos quintais e o aconchego das casas de janelas abertas para o mundo. O verão brilha sobre os três filhos dos O’Brien, que se espalham pelo ambiente como extensões naturais da paisagem, absortos na inocência da infância. No entanto, a presença dos adultos, suas palavras e preocupações, começam a insinuar que essa liberdade será inevitavelmente moldada pelo tempo e pelas circunstâncias. Malick captura esse momento limítrofe com a sensibilidade de quem compreende que a passagem da infância para a maturidade é, ao mesmo tempo, uma perda e um despertar.
Ao abordar essa transição, o filme se aproxima da literatura de León Tolstói, que também extraía o universal do particular. Malick não se preocupa em oferecer respostas diretas, mas constrói um mosaico sensorial onde cada elemento sugere algo maior do que a soma de suas partes. Mesmo aqueles que não viveram essa realidade específica conseguem se identificar com a nostalgia latente, com a busca por sentido que ecoa além da tela.
O diretor manipula o ritmo da narrativa com precisão quase matemática, ora afastando o público com sua estrutura contemplativa, ora trazendo-o de volta com imagens que falam diretamente à emoção. Esse jogo entre distanciamento e imersão encontra um aliado essencial no trabalho de Brad Pitt. Seu personagem, o Senhor O’Brien, impõe-se como uma figura austera e autoritária, cuja ausência de um primeiro nome reforça sua posição como arquétipo do patriarca severo. Sua rigidez contrasta com a delicadeza da Senhora O’Brien, vivida por Jessica Chastain, que encarna uma presença etérea, quase mitológica, simbolizando a resignação e a compaixão. Esse embate de forças define as dinâmicas internas da família e molda o percurso dos filhos.
A tragédia se insinua na trajetória de Steve, o primogênito, que parte para a Guerra do Vietnã e nunca retorna. Seu desaparecimento catalisa as reflexões de Jack, o caçula, interpretado por Hunter McCracken na infância e por Sean Penn na vida adulta. O questionamento sobre a morte, o tempo e a insignificância humana diante do cosmos perpassa a narrativa, culminando em sequências que transitam entre o grandioso e o íntimo. O filme se expande da origem do universo até a finitude da existência individual, costurando essas escalas com uma naturalidade assombrosa.
O olhar de Malick, sempre voltado para as grandes questões, encontra no ordinário uma via para o transcendental. “A Árvore da Vida” não é apenas uma história sobre uma família; é um ensaio visual sobre a própria condição humana. O que se desenrola na casa dos O’Brien se repete, de diferentes formas, nos lares de bilhões de pessoas ao redor do mundo, ecoando gerações passadas e futuras. Assim como a vida, o filme não busca um desfecho definitivo, mas se desdobra como um fluxo contínuo, um ciclo que persiste além da tela e da própria consciência de quem o assiste.
★★★★★★★★★★