Por que vigaristas exercem tanto fascínio? Essa é a primeira provocação que “Eu Me Importo” lança ao espectador, que, entre a perplexidade e uma inesperada admiração, se vê confrontado com a sedução inerente aos trambiqueiros de alta classe. Há, sem dúvida, um encanto peculiar nos que constroem fortunas sobre a ruína alheia, um magnetismo que transcende a imoralidade. Esse filme de J Blakeson não apenas investiga essa sedução, mas também a desconstrói, revelando um jogo de poder onde os mais inescrupulosos prosperam — até que tropeçam.
Blakeson tem um histórico de explorar personagens femininas ambíguas, algo evidente desde “O Desaparecimento de Alice Creed” (2009), onde a tensão e os jogos de manipulação tomam o centro da narrativa. Apesar do fracasso comercial desse primeiro longa, o diretor não recuou. Após uma década aprimorando seu olhar, ele retorna com uma história que se mantém dentro do plausível, mas cuja frieza moral certamente incomodaria muitos. Para uma trama assim, uma atriz capaz de transitar entre o carisma e a crueldade era essencial. E ninguém melhor que Rosamund Pike para assumir esse desafio.
Pike, acostumada a papéis que desafiam a percepção do público, já havia deixado sua marca em “Garota Exemplar” (2014), onde encarnou uma esposa manipuladora com impressionante maestria. Em “Eu Me Importo”, seu talento encontra um novo palco no papel de Marla Grayson, uma mulher que encarna a ambição desmedida com um sorriso impecável e um raciocínio frio. Marla é a síntese do pragmatismo implacável: administradora de um esquema de curatela profissional, ela lucra explorando idosos e pessoas vulneráveis, contando com uma rede de médicos, advogados e assistentes que transformam a ganância em um sistema meticulosamente organizado. Sua personagem é um subproduto do individualismo extremo que molda certas visões do sucesso, ao mesmo tempo desprezada e admirada.
O filme também questiona a própria lógica da competição: em um mundo onde o triunfo é medido em cifras, quem dita as regras? O jogo de Marla Grayson é perigoso, mas até então bem-sucedido—até que um erro de cálculo a coloca diante de uma adversária inesperada. Jennifer Peterson, vivida por Dianne Wiest, parecia a presa perfeita: rica, solitária e, com um pequeno ajuste nos laudos médicos, incapaz de cuidar de si mesma. Mas a idosa tem um trunfo invisível: sua conexão com Roman Lunyov (Peter Dinklage), um mafioso russo disposto a tudo para resgatá-la. A escalada de conflitos transforma o longa em um thriller de sobrevivência, onde Marla e Roman duelam em um embate de força, astúcia e oportunismo.
Se no início Marla parecia intocável, a reviravolta mostra que mesmo os mais habilidosos não estão imunes ao erro. O desfecho do filme, carregado de ironia, sublinha essa ideia: quando tudo parecia consolidado e a protagonista alcançava novos patamares de riqueza, um detalhe esquecido volta para cobrá-la. O personagem de Macon Blair, filho de uma das vítimas de Marla, emerge como a mão invisível da vingança. E assim, a predadora se torna presa, encerrando sua trajetória de forma abrupta e inesperada.
A grande questão que o filme deixa é a seguinte: por que, mesmo sabendo de sua perversidade, torcemos por Marla Grayson? Talvez porque, ao longo da narrativa, o roteiro nos conduza a admirar sua resiliência e inteligência estratégica. Ou talvez porque, no fim, não há mocinhos nesse jogo — apenas aqueles que sabem manipular as peças e os que são esmagados por elas. “Eu Me Importo” pode ter sido classificado como uma comédia, mas seu riso é ácido, desconfortável, e sua farsa se sustenta até o último segundo. Afinal, se há uma verdade inescapável no mundo de Marla, é que o dinheiro compra quase tudo — mas não a impunidade absoluta.
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