Talvez ainda demore algum tempo, mas há de chegar o dia em que anjos descerão à Terra, mandados por Deus, para averiguar como estamos nos saindo antes de termos nosso destino selado. No altar, o padre quer saber se aceitamos aquele ou aquela ao nosso lado, do jeitinho que ele ou ela é. Como se não fosse o bastante, o sacerdote diz-nos que devemos permanecer juntos na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, amarmo-nos e respeitarmo-nos até o último dia, até que a morte nos separe. É demais. Há quem não aguente a pressão e literalmente fuja, saia correndo, como acontece na cena de abertura de “Invasão de Lua de Mel”. Valendo-se de uma premissa banal, Nicolas Cuche chega à delirante história que quer contar, sobre uma cerimônia gorada que leva a uma viagem surpreendente, ainda mais cheia de revelações. Cuche e os corroteiristas Laure Hennequart e Laurent Turner passam pelo grotesco de uma situação absurda para fazer com que o filme deságue em cenas líricas, que registram um amor desinteressado, mas também feito de limites.
Algumas pessoas são obrigadas a entender, desde muito cedo, que a vida não lhes reserva a genuína essência das coisas, mas só um caldo ralo e frio, temperado pela eterna ira que pontua a existência de todos nós em maior ou menor intensidade. Para esses indivíduos, afetos têm a natureza de algo que se quebrara há bastante tempo, mas que resiste, apoiando-se na areia colorida da farsa, que vai tragando e perdendo tudo. Lucas Duvivier, o noivo rejeitado vivido por Julien Frison, parece ter feito alguma coisa de muito condenável para ter de testemunhar, pouco antes do sim de sua escolhida, uma rejeição humilhante, que não deu-lhe chance sequer de reagir.
Ele fica debaixo das cobertas por alguns dias, jura para si mesmo que a ruptura não o afeta mais — e liga para a ex, dizendo-lhe impropérios um tanto pueris —, e se desespera quando lembra-se de que teve de tomar um empréstimo para pagar a lua de mel para as ilhas Maurício. Ele, claro, não tem cabeça para uma aventura num paraíso qualquer na costa leste da África, mas sua mãe, Lily, não quer que ele assine seu atestado de fraqueza, o obriga a viajar e vira sua acompanhante. Daí em diante, Michèle Laroque junta-se a Frison numa trama quase nonsense, na qual o humor ameniza possíveis desconfortos. E, justiça se lhe faça, Lily jamais invadiu coisa alguma.
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