“Resgate 2” se insere no território das narrativas de ação que flertam com a mitologia dos super-heróis, mas o faz com um diferencial: sua abordagem evita a glorificação simplista da figura do salvador infalível. Sob a direção de Sam Hargrave, o filme estrutura-se em torno de um protagonista desgastado, cuja resiliência se desenha menos como um dom inquestionável e mais como uma teimosia visceral para sobreviver a qualquer custo.
O roteiro de Joe Russo — conhecido por seu trabalho em “Vingadores: Ultimato” ao lado do irmão Anthony — não se limita a reencenar o arquétipo do guerreiro imbatível. Pelo contrário, traça um percurso de reconstrução para Tyler Rake (Chris Hemsworth), que, abatido e fragilizado, retorna de um estado quase vegetativo para enfrentar uma nova e brutal missão. Se no primeiro filme de 2020 sua luta era movida por um instinto quase suicida, aqui há um traço diferente: a busca por uma reafirmação pessoal que, mesmo revestida de um verniz heróico, permanece repleta de incertezas. Ele ainda tem forças para se reerguer? Ou apenas prolonga uma queda inevitável?
A fotografia de Greg Baldi acentua essa tensão ao compor cenas onde a luz banha os rostos em tons de ouro envelhecido, destacando a inquietação de Nik Khan (Golshifteh Farahani), que acompanha de perto a convalescença de Rake. O filme não esconde a ambiguidade moral do protagonista: os fragmentos de flashback dispersos ao longo da trama não o redimem, mas enfatizam sua natureza dúbia, como se confiar nele fosse um risco que poucos estariam dispostos a correr. Hargrave constrói sua figura como algo mais próximo de um sobrevivente obstinado do que de um herói tradicional — um mercenário atormentado por escolhas e fantasmas que não se dissipam.
Ainda assim, a narrativa abraça um escopo grandioso. O deslocamento geográfico começa em Dubai e se expande para paisagens da Áustria, consolidando uma jornada que não se restringe a combates frenéticos, mas busca consolidar a imagem de um Rake em constante superação. O diretor traduz esse senso de movimento na montagem acelerada, reforçada pelo crescendo de tensão que culmina no embate contra os capangas de Ovi Mahajan (Pankaj Tripathi), o chefão do crime em Mumbai. O conflito evoca ecos do passado, relembrando a tentativa fracassada de resgatar o filho de Mahajan, Ovi Jr. (Rudhraksh Jaiswal). Agora, sem espaço para erros, Rake e Nik enfrentam um inimigo cujos laços de lealdade são tão sólidos quanto cruéis.
Embora “Resgate 2” ressoe como uma evolução natural de seu antecessor, a direção de Hargrave aposta na intensificação dos elementos que fizeram o primeiro filme se destacar: combates coreografados com precisão cirúrgica, sequências de ação ininterruptas e uma paleta visual que transita entre a aspereza documental e a estilização quase operística. No entanto, há uma camada adicional de melancolia que permeia a jornada de Rake, como se a grandiosidade de suas façanhas fosse apenas um véu tênue sobre a inevitável deterioração física e emocional do personagem.
Um horizonte de incerteza se impõe. Idris Elba faz uma aparição estratégica, sugerindo que a luta de Rake ainda está longe de acabar. O desfecho abre caminho para uma continuação, mas sem a promessa de redenção ou glória. O que resta é um homem cansado, aprisionado em um ciclo de violência que parece se alimentar de sua própria obstinação. E talvez seja exatamente essa recusa em oferecer um encerramento catártico que torne “Resgate 2” mais interessante do que uma mera repetição de fórmulas.
★★★★★★★★★★