Por que continuamos a falar de “O Planeta dos Macacos” na terceira década do século 21? Talvez nem Franklin J. Schaffner (1920-1989), diretor do primeiro longa de uma das mais inspiradas franquias da história do cinema, soubesse responder, porém fica mais fácil atingir-se uma conclusão satisfatória no momento em que se compara a série de filmes inaugurada por Schaffner em 1968 com outras produções em série que avançaram por décadas sem, no entanto, ir além da superfície — apesar de estarem assentadas sobre uma montanha de centenas de milhões de dólares.
“Planeta dos Macacos: O Reinado”, o colosso de tecnologia dirigido por Wes Ball, partiu de 129 milhões de dólares na estreia nas salas de projeção de todo o mundo e alcançou 230 milhões nas bilheterias até sair de cartaz e dominar o streaming pouco tempo depois, mas não é nisso que o espectador pensa quando depara-se com um enredo cheio de reviravoltas, distribuídas em sequências nada menos que impecáveis, e não só pelo uso da captura de performance, um expediente que confere mais precisão aos movimentos dos atores. “O Reinado”, o nono filme em 57 anos, toca porque, a seu modo, ajuda-nos a entender por que chegamos onde estamos agora e o aonde podem nos levar determinados comportamentos.
César, o primata que se rebela contra os desmandos do homem e vira o líder supremo da nova Terra, assistindo de camarote a um vírus criado por mãos humanas converter homo sapiens sapiens em criaturas afásicas, enquanto macacos acabaram se tornando potências que unem vasta capacidade cognitiva a vigor físico quase inabalável. O roteiro de Josh Friedman, Rick Jaffa e Amanda Silver não faz nenhuma menção ao trabalho de Andy Serkis na pele do César de “Planeta dos Macacos: A Origem” (2011), recomeçando a trama do ponto que Ball considera relevante.
Responsável pela distopia “Maze Runner” (2014-2018), o diretor reedita a desordem fundamental que perpassa a vida no planeta com tétrico refinamento, disfarçado em belas imagens, como as que mostram os chimpanzés Noa, Anaya e Soona, jovens membros do Clã da Águia, escalando uma imensa árvore na abertura. César já não existe, como se vê em “Planeta dos Macacos: A Guerra” (2017), de Matt Reeves, exatamente como dava a entender o francês Pierre Boulle (1912-1994) no romance homônimo publicado em 1963, e Noa desafia a morte para capturar seu ovo de águia e assim dar continuidade ao ritual iniciado pelos Anciãos no princípio de tudo. Algum tempo depois, os três, andando pela floresta em busca de diversão, encontram o manto de um Eco, a comunidade que reúne os últimos humanos. Noa o pega para si, e uma maldição começa a pairar sobre ele e os demais.
Mae e Trevathan, a pouca humanidade que sobrou, confirmam os dias nada auspiciosos que abater-se-ão sobre o Planeta dos Macacos. O trio de primatas vivido por Owen Teague, Travis Jeffery e Lydia Peckham agora tem de disputar a hegemonia de sua terra com os intrusos, vislumbrando novos conflitos com Proximus, o usurpador do reino de César encarnado por Kevin Durand. Freya Allan e William H. Macy entram, nessa ordem, como figuras ambíguas que podem tanto representar a última esperança de Noa, Anaya e Soona como botar um ponto final na dinastia peluda, uma alegoria bastante sofisticada acerca do lugar periférico a que o pacifismo foi relegado. Certeza só em 2027, com o possível último lance do excitante jogo de gato e rato que Schaffner começara num passado remoto.
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