A guerra, atravessando séculos e fronteiras, revela-se como um reflexo brutal da natureza humana, expondo tanto sua capacidade destrutiva quanto sua resiliência. “O Bombardeio”, dirigido por Ole Bornedal, traduz essa complexidade com uma intensidade perturbadora, capturando o choque entre o ímpeto destrutivo das grandes potências e as vidas que são esmagadas por ele.
A guerra não se resume a batalhas estratégicas ou ambições expansionistas; ela é um campo fértil para a manifestação dos impulsos mais sombrios da humanidade. Cidades são pulverizadas, comunidades desmanteladas, e vidas inocentes são tragadas pelo caos. Mas, por trás desse espetáculo de violência, há sempre nuances: a interação entre política, ideologias e circunstâncias históricas transforma cada conflito em uma sucessão de decisões cujas consequências reverberam por gerações.
Ao analisarmos os embates contemporâneos, é impossível ignorar a invasão russa à Ucrânia, comandada por Vladímir Putin. Esse episódio insere-se na contínua disputa de forças no cenário global, ecoando os conflitos devastadores do século 20. A Segunda Guerra Mundial, por exemplo, segue sendo um marco fundamental para a compreensão dos ciclos de agressão e resistência. O cinema, ao revisitar esses eventos, preserva a memória coletiva, impedindo que as atrocidades se diluam no esquecimento ou se tornem meras abstrações.
Entre os inúmeros episódios brutais da guerra, um dos mais impactantes foi o bombardeio da Escola Francesa de Copenhague, ocorrido em 1945. O que deveria ser uma ofensiva cirurgicamente planejada transformou-se em uma tragédia irreparável. As vítimas desse erro militar não eram estatísticas; eram vidas interrompidas, futuros ceifados antes mesmo de se realizarem. É essa tragédia que Bornedal resgata em “O Bombardeio”, oferecendo não apenas um retrato da destruição, mas um mergulho nas tensões morais e emocionais que permeavam a Dinamarca sob ocupação nazista.
O país, invadido pela Alemanha em 1940, viveu um período de coexistência instável entre sua administração local e o controle nazista. Nesse cenário, a narrativa acompanha Frederik, um oficial nazista dividido entre sua crescente ascensão e a inquietação diante das atrocidades cometidas pelo regime que serve. Paralelamente, Teresa, uma noviça, enfrenta o dilema de conciliar sua fé com as duras escolhas impostas pela guerra. A relação entre os dois funciona como um microcosmo da complexidade moral daquele momento histórico, ilustrando como o conflito ultrapassa o campo de batalha e se infiltra nas relações humanas.
Bornedal constrói sua narrativa com uma abordagem que vai além do registro histórico. Ele examina como, mesmo em tempos de horror absoluto, a humanidade se manifesta através de laços inesperados. A amizade entre três crianças no filme é um testemunho da capacidade humana de encontrar alívio e conexão em meio ao desespero, um lembrete de que a guerra não destrói completamente a essência do que significa ser humano.
A Operação Cartago, que resultou no bombardeio da escola, deixou marcas profundas na história da Dinamarca e na vida de incontáveis famílias. “O Bombardeio” não se limita a reconstruir um evento trágico; ele nos desafia a refletir sobre como a memória do passado deve servir como alerta para o futuro. Enquanto sociedades continuam travando guerras, a verdadeira batalha talvez esteja na luta pela preservação da paz e pelo compromisso de aprender com as cicatrizes deixadas pelos erros da humanidade.
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