Steven Soderbergh, com sua assinatura estilística inconfundível, transforma “A Lavanderia” em uma sátira mordaz sobre os bastidores das finanças globais. Em seus 96 minutos, o filme não apenas aponta as falhas do sistema, mas o faz com um cinismo que ressoa de maneira particular para o espectador brasileiro, acostumado a escândalos de corrupção e falcatruas fiscais. A trama, ao invés de chocar com revelações inéditas, provoca um desconforto familiar, como se confirmasse aquilo que já sabemos, mas preferimos ignorar. O resultado é um misto de resignação e ironia, pontuado por risos nervosos diante da brutalidade da realidade exposta.
A narrativa segue a estrutura característica de Soderbergh, que já se dedicou a desvendar fraudes e artimanhas financeiras em trabalhos anteriores. Aqui, essa abordagem se renova por meio de uma fotografia vibrante e uma montagem ágil, que disfarçam a densidade do tema sem diluí-lo. Usando o pseudônimo Peter Andrews, o próprio diretor assume a direção de fotografia, criando um contraste visual interessante: cores quentes e composições dinâmicas que suavizam, sem ocultar, o tom ácido da história. É essa justaposição entre o ritmo ágil e a crítica severa que faz com que o filme mantenha seu impacto sem parecer excessivamente didático.
Scott Z. Burns, roteirista da produção, constrói um enredo inspirado em fatos reais, conduzindo o público por um labirinto de transações ilegais, desde pequenos estelionatários nos Estados Unidos até os complexos esquemas de lavagem de dinheiro em paraísos fiscais. O fio condutor dessa rede de corrupção são Jürgen Mossack e Ramón Fonseca, interpretados por Gary Oldman e Antonio Banderas, respectivamente. Caricatos e teatrais, eles atuam como anfitriões de um jogo obscuro, revelando os mecanismos que tornam possível a evasão fiscal em escala global. Com diálogos afiados e interações que oscilam entre o humor e o desconcerto, a dupla se posiciona como peça-chave na construção do olhar satírico do filme.
A trama se desenvolve por meio da exposição gradual de segredos, cada um adicionando uma nova camada à percepção do espectador sobre o esquema central. Entre essas peças, surge Ellen Martin, vivida por Meryl Streep, uma mulher comum cuja trajetória pessoal a leva ao coração da fraude. O arco de Ellen é inicialmente sutil: uma viagem em comemoração ao aniversário de casamento que rapidamente se converte em um drama inesperado, desencadeando sua busca por justiça. Sua presença, contudo, não se sobrepõe à própria essência do filme. Em “A Lavanderia”, a verdadeira protagonista é a engrenagem financeira corrupta, que opera silenciosa e impunemente nos bastidores do mundo corporativo.
Apesar disso, é difícil não conceder a Streep um espaço de destaque, especialmente na reta final do longa. Sua personagem, aparentemente periférica à grandiosidade do esquema, assume um papel crucial ao representar o cidadão comum confrontado com a brutalidade do sistema. Sua performance culmina em um ato simbólico de resistência contra as corporações que, apenas em 2018, causaram prejuízos bilionários aos cofres públicos. Dentre essas, destaca-se a Odebrecht, um nome familiar para qualquer brasileiro que acompanhou os desdobramentos da Lava Jato.
Soderbergh conduz a história sem recorrer a desfechos reconfortantes. Em vez de entregar uma conclusão convencional, ele propõe uma reflexão incômoda: o problema persiste, inalcançável para a maioria, perpetuado por aqueles que moldam as regras do jogo. O filme não busca oferecer soluções, mas sim iluminar a engrenagem invisível que sustenta o poder e o privilégio. No fim, o espectador sai da sessão não com a sensação de justiça feita, mas com a consciência amarga de que, enquanto houver brechas na lei, a impunidade permanecerá como um dos maiores ativos do mercado financeiro global.
★★★★★★★★★★