Todo mundo já pensou em casar com a primeira namorada, ter com ela os filhos que ofereceriam amparo aos dois quando o sol da vida começasse a descer e a velhice fosse uma realidade inescapável — e depois dela a morte, serena e consagradora. Nove décimos da humanidade nunca saberão o que é isso, o que não quer dizer que a felicidade conjugal seja impossível, muito pelo contrário: quanto mais se abre o leque, mais aumentam as chances de surgir, afinal, a tampa da panela. Os protagonistas de “Regras Não Se Aplicam”, insistem, contudo, em fazer dar certo um romance de outros tempos.
Resultado? Uma comédia romântica com muito do que a Era de Ouro de Hollywood tinha de melhor, aquela ingenuidade, aquela graça, e sobretudo aquele glamour. Warren Beatty volta cerca de meio século e parece despejar no mocinho de seu filme aspirações e desapontamentos que suas foram quando tinha seus vinte e poucos anos e começava a provar do esplendor da fama e, claro, ficava atento para suas tantas armadilhas. Quem fala pelo diretor é Frank Forbes, o motorista particular do bilionário Howard Hughes (1905-1976), personagem de uma época em que cinema era, antes de mais nada, sonho.
Mulheres levaram muito tempo para chegar aonde poderiam ter estado desde sempre, não fosse a sólida cultura, tornada uma verdadeira maldição em várias partes do mundo, que designa como atribuições femininas a manutenção da casa, o cuidado com os filhos e tudo quanto possa advir desse inesgotável universo, o que ao cabo de pouco tempo tem o condão de arruinar qualquer ilusão romântica, e, claro, se reflete nas possibilidades de volta ao ambiente corporativo. O combinado não sai caro, já diz a sábia e cavernosa voz das ruas, e se a mulher decide partir para a aventura doméstica de bom grado, que seja feliz. Ser uma pacata rainha do lar, daquelas que recendem a baunilha e parecem travar uma batalha consigo mesmas para estarem sempre alinhadas sem prejuízo da harmonia de seus domínios caseiros nunca foi o objetivo de vida de Marla Mabrey, uma estrela ainda opaca no vasto firmamento da capital interplanetária do cinema.
Pelas primeiras cenas, Marla parece viver numa bolha colorida, que vai perdendo o vigor à medida que ela se dá conta de que talvez ser uma moça talentosa no que se propõe a fazer não seja o bastante para os executivos da indústria cinematográfica. Lily Collins sai da autoconfiança que quase cega sua personagem para o súbito choque de realidade que justifica o roteiro de Beatty e Bo Goldman. Seu grande consolo é saber que o motorista do Hughes vivido pelo próprio diretor é Frank, um velho conhecido, e então a mágica passa a acontecer nas cenas que unem Collins e Alden Ehrenrich, dois talentos ainda por se fazerem revelar em toda a sua potência. As regras do mercado realmente fato não se aplicam a certas pessoas.
★★★★★★★★★★