Tenho aversão a remakes. Acredito firmemente que cada obra pertence ao seu tempo e, se algo não aconteceu em determinada época, provavelmente há um motivo legítimo para isso. É uma ilusão imaginar que um filme, por mais impactante que tenha sido, possa ser revivido nas mesmas condições que o tornaram relevante. Essas “releituras”, supostamente inovadoras, apenas reforçam a carência de ideias originais na indústria cinematográfica. Sob o pretexto de uma nova abordagem, diretores e roteiristas moldam histórias já contadas para se adequarem aos gostos contemporâneos, enquanto executivos de estúdio enxergam nesses projetos uma oportunidade conveniente de capitalizar sobre o que já teve êxito. O resultado, via de regra, não passa de um exercício de nostalgia conveniente, incapaz de restaurar o frescor da versão original.
Essa tendência não se restringe ao cinema. A televisão brasileira, por exemplo, testemunhou o retorno de um clássico a partir de 28 de março de 2022: a nova versão de “Pantanal”. A novela, exibida originalmente na Rede Manchete em 1990, conquistou um público fiel e se tornou um fenômeno. Mas será que sua força ainda se sustenta em um contexto completamente transformado, onde plataformas digitais dominam o consumo de conteúdo e cenas emblemáticas são recortadas em vídeos curtos por algoritmos que determinam o que é mais relevante? A reinterpretação de uma história icônica sempre corre o risco de se perder em atualizações desnecessárias, como personagens que sofrem alterações forçadas para se adequar a novas sensibilidades. O que era espontâneo se torna artificial, e o que tinha potência narrativa se dissolve em um esforço calculado de adaptação.
O dilema dos remakes não se restringe à televisão. Ele se manifesta também em produções como “Amor, Sublime Amor”, clássico da Broadway de 1957 que chegou ao cinema em 1961 pelas mãos de Robert Wise e Jerome Robbins. Em 2021, Steven Spielberg decidiu revisitá-lo, e, embora conheça a essência do espetáculo, a questão persiste: era realmente necessário? O musical original, com texto de Arthur Laurents e composições de Leonard Bernstein e Stephen Sondheim, é um marco da cultura popular, transformando a tragédia de “Romeu e Julieta” em uma rivalidade entre gangues na Nova York dos anos 1950. No novo filme, tudo começa com os Jets, os jovens descendentes de irlandeses que se consideram donos das ruas. A câmera os acompanha em sua movimentação quase coreografada, transmitindo a ilusão de que a vida pode ser um eterno número de dança. Do outro lado estão os Sharks, porto-riquenhos que enfrentam uma realidade social marcada pela exclusão. A ascensão da comunidade hispânica nas décadas seguintes redefiniu o panorama urbano da cidade, intensificando conflitos e disputas territoriais.
Spielberg, respaldado pelo roteiro de Tony Kushner, injeta vitalidade na história sem se afastar de sua raiz. O confronto entre os grupos se desenrola enquanto Maria, interpretada por Rachel Zegler, se apaixona por Tony, um ex-Jet que tenta se redimir após um período na prisão. O inevitável embate entre as gangues é selado pela animosidade entre Riff e Bernardo, líderes de cada lado, vividos por Mike Faist e David Alvarez. Bernardo, pugilista com temperamento explosivo, tenta impedir que sua irmã se envolva com um americano sem perspectivas. No centro desse turbilhão está Anita, papel de Ariana DeBose, cuja performance rendeu o Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante. Seu carisma e energia são uma força motriz na narrativa, especialmente nas sequências de dança que estabelecem o ritmo pulsante da produção.
Visualmente, o filme é um espetáculo. A fotografia de Janusz Kaminski alterna tons vibrantes nas sequências musicais e uma paleta sombria nos momentos de tensão. As coreografias de Justin Peck combinam precisão e fluidez, reforçando a sensação de que os personagens vivem sob uma lógica própria, onde cada movimento é uma extensão do que sentem. Spielberg não tenta simplesmente replicar a obra de Wise, mas sim interpretá-la à sua maneira, mantendo sua essência e relevância. Sua versão de “Amor, Sublime Amor” prova que a recriação de um clássico pode ser justificada quando há um olhar autêntico por trás da câmera, e não apenas um esforço de reciclagem movido por interesses comerciais. Entretanto, continua a ser uma exceção dentro de um mar de remakes que raramente capturam a chama daquilo que buscam reviver.
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