Dá pra fazer tudo certinho. Colocar o despertador para as 6h e não se render à mente sabotadora que pede só mais cinco minutinhos, geralmente convertidos em desesperadora meia hora. Dá pra levantar de primeira, calçar o tênis, cortar a fatia de ricota, correr no parque, tomar banho rápido pra ajudar a natureza, vestir a calça social e trabalhar com 100% de concentração, sem desviar olhares para notificações do Facebook. No final da noite organizar a louça, responder e-mails e dormir com a sensação de dever cumprido. Dia após dia. Mês após mês. Ano após ano. “Ad aeternum”.
É isso ou o caos. Render-se à disciplina é viabilizar a vida com doses cotidianas de privações. Cada vez mais me convenço de que nascemos com um desafio que reserva frações do paraíso aos capazes de cumpri-lo: seguir em linha reta freando ímpetos de rebeldia. Conter-se diante das tentações que sopram no seu ouvido para largar mão de ser comedido e render-se sem limites a vontades e prazeres é tarefa árdua. Prevejo troféus dourados entregues por arcanjos aos que durante a jornada não se lambuzaram com excessos e badernas. São essas pessoas que tornam o mundo um lugar minimamente ordenado, equilibrando a bagunça dos que ignoram convenções e privilegiam apenas os próprio desejos.
Quando eu era criança, questionava a professora por que deveria solicitar a ela liberação para ir ao banheiro. “Não tenho que pedir autorização, pois é uma necessidade fisiológica” (achava que essa palavra daria credibilidade ao meu discurso). Ela argumentava que se todo mundo simplesmente levantasse e saísse causaria uma grande confusão. Eu não me convencia. Como não me convencia de ter que escrever só com caneta azul ou preta e de precisar cantar o hino toda terça-feira.
Durante anos coloquei a culpa no meu signo por ser assim — aquarianos, sempre do contra. Depois entendi que era inquietação diante de tudo o que parecia me podar misturada a um pouco de petulância por me julgar apta a agir diferente de quem se submetia às regras. De mancada em mancada entendi que sem me disciplinar nada iria dar certo. Quanta imaturidade querer revolucionar o mundo sem regulamentar a própria vida. Tem que tirar o rei da barriga e se sujeitar ao script. Mas entendi também que se durante o percurso eu não chutasse alguns baldes meu trajeto seria sem graça e sem sentido.
Se é prudente evitar excessos, evitemos o excesso de parcimônia também. Troquemos tacinhas por garrafas. Vez ou outra deixemos de lado palavras moderadas e soltemos palavrões em alto e bom som. Alguns domingos precisam de rodízio de pizza (e depois de dez fatias pode trazer a de banana sim). Em alguma tarde aleatória convém contrariar o chefe. Virar pra direita quando a placa indica a esquerda, sair da festa de manhã direto pra reunião com o diretor da empresa. Viajar de repente, vender a TV pra voar de balão, comprar sete blusas e três sapatos para se arrepender em seguida. Enlouquecer e depois voltar ao eixo consciente de que é preciso andar na linha para seguir a salvo e, vez ou outra, enfiar o pé na jaca para suportar a linha.