No mais recente longa de Juan Carlos Fresnadillo, “Donzela”, Millie Bobby Brown dá vida a Elodie, uma jovem que se vê lançada em uma jornada de sobrevivência e autoconhecimento. Longe da doçura tradicional dos contos de fadas, a narrativa subverte expectativas ao transformar a promessa de um casamento real em um jogo cruel de aparências e manipulação. Fresnadillo, indicado ao Oscar por “Esposados” (1997), constrói uma história em que a protagonista não apenas desafia os perigos físicos impostos pelo destino, mas também reconstrói sua identidade em meio às traições e horrores que encontra.
Vinda de uma aldeia assolada pela miséria, Elodie cresce em um ambiente de privação, onde cada escolha parece ditada pela necessidade de sobrevivência. Quando a Rainha Isabelle (Robin Wright) propõe um casamento com o príncipe Henry (Nick Robinson), seu pai, Lord Bayford, vê a oferta como uma oportunidade de escapar da ruína. A jovem, sem outra alternativa, aceita o destino que lhe é imposto, ainda que carregue consigo um sentimento incômodo de resignação.
A relação de Elodie com sua madrasta, Lady Bayford (Angela Bassett), não se baseia em confrontos diretos, mas em um silêncio carregado de desconfiança. Embora a madrasta não demonstre hostilidade aberta, tampouco oferece apoio. A ausência de um vínculo real intensifica a sensação de isolamento da jovem, que parte para o castelo real com a esperança de encontrar algo próximo à segurança. Ao conhecer Henry, Elodie se surpreende ao sentir uma conexão genuína com ele. Pela primeira vez, a ideia do matrimônio não lhe parece tão opressora.
Os primeiros dias no castelo são marcados por momentos de aparente liberdade. Elodie e Henry exploram os arredores, compartilhando risos e conversas que lhe fazem esquecer, ainda que por instantes, a dureza de sua vida pregressa. No entanto, essa ilusão se desintegra rapidamente. Lady Bayford, sempre atenta aos sinais, tenta alertá-la de que a realidade pode ser mais sombria do que parece, mas a jovem prefere ignorar os avisos, confiando no príncipe. Quando a cerimônia de casamento finalmente ocorre, o encanto se rompe de forma brutal: Henry, sem qualquer hesitação, a empurra para um abismo, condenando-a a um destino cruel.
Elodie desperta em uma paisagem hostil, uma floresta onde a morte é uma presença constante. O ritual macabro do qual é vítima exige seu sacrifício ao dragão que habita o local. A criatura, encarregada de exterminar as donzelas descartadas pela realeza, representa a materialização de uma tradição brutal e inescapável. Mas Elodie se recusa a aceitar seu papel na história. Enfrentando o medo e as probabilidades, ela descobre que sua sobrevivência depende unicamente de sua própria astúcia e determinação.
O filme não apenas reconfigura a narrativa clássica das princesas aprisionadas, mas também questiona a noção de fragilidade atribuída às personagens femininas nesses contextos. Elodie é forçada a enfrentar o desconhecido sem o amparo de um herói salvador. Pelo contrário, é ao compreender sua própria força que ela encontra um caminho para desafiar as imposições que a realeza lhe impôs. Sua jornada é uma declaração de independência, transformando a suposta fraqueza inicial em ação e resistência.
Com essa abordagem, “Donzela” não se contenta em apenas inverter a fórmula dos contos de fadas, mas sim em oferecer uma reflexão poderosa sobre autodescoberta e autonomia. A figura da princesa indefesa é desmontada, dando lugar a uma protagonista que se recusa a ser definida pelas expectativas impostas. Mais do que uma história de sobrevivência, o filme propõe uma discussão sobre como o destino não é uma condenação irrevogável, mas sim algo a ser escrito pelas próprias mãos.
★★★★★★★★★★