175 dias no Top 10 mundial e 171 milhões de visualizações! Filme é o segundo mais assistido da história da Netflix Niko Tavernise / Netflix

175 dias no Top 10 mundial e 171 milhões de visualizações! Filme é o segundo mais assistido da história da Netflix

O fim se aproxima, e desta vez ele vem do alto. Adam McKay, conhecido por sua verve satírica e seu olhar cético sobre o mundo, transforma “Não Olhe para Cima” em um retrato mordaz do desespero humano diante da catástrofe. Sob uma fina camada de humor e exagero, o cineasta costura um ensaio sobre a estupidez coletiva e a negligência institucional que, mais do que um exagero cômico, ressoa como um reflexo desconcertante da nossa época.

Lançado em 2021, o filme chega às telas após quase dois anos de um isolamento que testou a sanidade global, num período em que a desinformação proliferou tanto quanto um vírus. McKay não se furta a ampliar esse caos ao abordar os diversos fenômenos da sociedade contemporânea: redes sociais convertidas em arenas de linchamento público, o culto à celebridade eclipsando questões urgentes, a indiferença política frente a uma crise iminente. Sua abordagem combina escracho e crítica social, mantendo cada elemento encaixado em sua própria gaveta, mas os embaralhando sempre que convém à narrativa. Nessa alquimia, o filme brinca com o absurdo sem perder a mão da realidade.

A trama segue a fórmula clássica do cinema-catástrofe, com um cometa a caminho da Terra, programado para colidir em exatos seis meses e 14 dias. A descoberta cabe ao astrônomo Randall Mindy e à pesquisadora Kate Dibiasky, ligados à Universidade de Michigan, que são convocados a levar sua descoberta à Casa Branca. Mas qualquer esperança de resposta rápida se esvai assim que encontram a presidente Janie Orlean, interpretada por Meryl Streep. Entre manobras eleitoreiras e conchavos judiciais, a governante adia qualquer decisão, prisioneira da própria falta de comprometimento. Seu pragmatismo cínico não é um mero delírio cinematográfico, mas um espelho incômodo de lideranças que priorizam estratégias eleitorais a questões de sobrevivência.

A política, aqui, não é um elemento acessório, mas o cerne da narrativa. O filme enfatiza a desconexão entre a gravidade da crise e as prioridades governamentais, expondo um cenário onde a destruição iminente é reduzida a um dilema de marketing. Orlean personifica esse descolamento ao oscilar entre a negação e a manipulação da tragédia a favor de seus interesses políticos.

Enquanto isso, Mindy e Dibiasky enfrentam um outro desafio: o descrédito imposto por uma mídia que flerta com o entretenimento mais do que com a informação. Jack Bremmer e Brie Evantee, os apresentadores interpretados por Tyler Perry e Cate Blanchett, transformam a descoberta apocalíptica em mais um segmento televisivo descartável. A participação de Dibiasky no programa é um dos momentos mais contundentes do filme: ao tentar alertar sobre a gravidade da situação, sua explosão emocional é ridicularizada, e ela é rapidamente convertida em meme. A banalização do desastre é retratada com um humor ácido que, paradoxalmente, acentua sua tragicidade.

Se por um lado o filme caminha pelo exagero, por outro ele revela um realismo incômodo. A distância entre catástrofe e distração nunca pareceu tão curta, e McKay evidencia como o pânico pode ser moldado, minimizado e comercializado. Mindy, que deveria ser a voz da razão, também não escapa da espiral de absurdos. Com o status de cientista-celebridade, ele se perde em escândalos e armadilhas midiáticas, demonstrando que nem mesmo o homem da ciência está imune à sedução do estrelato.

Visualmente, “Não Olhe para Cima” não decepciona. Os efeitos especiais são impactantes, especialmente na reta final, quando o destino da humanidade se torna inevitável. Mas McKay reserva seu golpe mais cínico para a sequência derradeira, quando a aparente resolução da trama dá lugar a uma última e inesperada ironia. O desfecho não oferece conforto, tampouco catarse. O que resta é uma constatação amarga: diante da destruição, a prioridade não é impedir o fim, mas encontrar uma maneira de lucrar com ele.

“Não Olhe para Cima” é uma crônica do nosso tempo, onde o absurdo e o real caminham lado a lado. McKay oferece um espelho inclemente de uma sociedade que flerta com a autodestruição, e a pergunta que ecoa após os créditos finais é simples: diante do inevitável, ainda haverá alguém olhando para cima?

Filme: Não Olhe Para Cima
Diretor: Adam McKay
Ano: 2021
Gênero: Comédia/Drama/Ficção Científica
Avaliação: 9/10 1 1
★★★★★★★★★