Talvez não estejamos distantes do momento em que autoridades, dotadas de poder absoluto, assumam a tarefa de zelar por nosso bem-estar, determinando o que é permitido pensar e fazer. Se porventura nos desviarmos para territórios considerados inadequados, um mecanismo invisível e infalível restabelecerá a ordem antes mesmo que percebamos. Nos Estados Unidos, lutar contra inimigos — reais ou imaginários — sempre foi um exercício contínuo. Diante disso, leva-se algum tempo para que “A Ordem” se revele como um enredo plausível. No entanto, ao situar-se dentro da absurda crônica policial americana, o filme encontra sua ancoragem na realidade.
O motor da narrativa dirigida por Justin Kurzel é a crença ferrenha na liberdade individual, princípio que impulsiona uma história baseada em eventos reais. O longa lança um olhar contundente sobre a abordagem antiterrorista adotada por governos de distintas vertentes ideológicas, todos, de início, alheios a uma ameaça latente e potencialmente devastadora. Nos anos 1980, grupos supremacistas brancos proliferaram nos EUA, sendo “A Ordem” o mais temido entre eles. O roteiro de Zach Baylin, adaptado do livro-reportagem “The Silent Brotherhood: Inside America’s Racist Underground”, de Kevin Flynn e Gary Gerhardt, apresenta uma reconstituição detalhada daqueles tempos sombrios, tomando como ponto de partida um assassinato brutal.
O ano é 1983. No Colorado, o radialista judeu Alan Berg provoca a ira de ouvintes antissemitas ao desafiá-los em seu programa. Na sequência de abertura, dois homens, ao volante de um carro, ouvem a transmissão e desejam sua morte. Kurzel, com sua assinatura estética característica, explora essa atmosfera de ameaça constante, enfatizada pela fotografia sombria de Adam Arkapaw, marcada por contrastes entre sombras intensas e tons profundos de azul e preto. Pouco depois, Terry Husk, um agente do FBI de métodos pouco convencionais, chega a Coeur D’Alene, Idaho, para investigar um desaparecimento. O que parecia um caso isolado se desdobra em algo maior: uma série de assaltos a bancos com explosivos, cujas pistas convergem para uma célula da Ordem na região. Para desmantelar a organização, Husk conta com o auxílio do jovem agente Jamie Bowen.
Paralelamente, Robert Jay Mathews, uma figura ambiciosa e de moralidade questionável, é atraído pelas atividades extremistas do grupo, menos por ideologia e mais por interesse pessoal. Sua adesão o transforma em um elemento de alto risco, um extremista cuja escalada de violência se torna inevitável. A trama se equilibra entre as trajetórias de três personagens centrais: Husk, Bowen e Mathews, cada um representando facetas distintas dessa história. Jude Law e Tye Sheridan assumem os papéis de agente e aprendiz, enquanto Nicholas Hoult entrega uma interpretação complexa, conferindo a Mathews uma presença inquietante. O ator parece inclinado a personagens de moral ambígua, embora neste caso a margem para nuances seja mínima, diferentemente de seu trabalho em “Jurado Nº2” (2024), de Clint Eastwood.
A tensão do filme não se sustenta apenas nos eventos históricos, mas na forma como Kurzel os traduz para a tela, evitando julgamentos simplistas. Não há respostas fáceis sobre quem sairá vitorioso — uma ambiguidade que se reflete na realidade, quatro décadas após a execução de Mathews e a condenação de seus cúmplices. “A Ordem” não busca oferecer um desfecho redentor, mas uma experiência densa e perturbadora, cuja ressonância ecoa muito além da última cena.
★★★★★★★★★★