Histórias de criaturas monstruosas que deixam as catacumbas e vêm atazanar os vivos são velhas como o mundo. Há quase um século, Tod Browning (1880-1962) e Karl Freund (1890-1969) deram a partida numa saga que, decerto não imaginavam, perduraria para muito além de seu tempo. Embora “Nosferatu” (1922), dirigido por F. W. Murnau (1888-1931), tenha sido a primeira grande investida do cinema quanto a desvelar esse lado obscuro e pernicioso do interesse humana, foi em “Drácula” (1931), levado à tela por Tod Browning (1880-1962) e Karl Freund (1890-1969), que o público pôde ter uma noção mais clara do quão cativante é esse nicho, sentimento que se mostra verdadeiro pela constatação de que, transcorrido quase um século, as histórias de vampiro perduram e se ramificam pelos vieses mais distintos.
“Renfield — Dando Sangue Pelo Chefe” volta à figura do Empalador pela lente da comédia e fazendo com que o ângulo torne-se tão abrangente que cabe também um seu subordinado — a ponto de ser ele, afinal, o protagonista aqui. Robert Montague Renfield, a figura central do terrir de Chris McKay, é uma criatura torturada que desde o fim da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) serve ao Príncipe das Trevas a contragosto, pelas razões que o diretor destrincha com bastante cuidado.
Muito antes de se deixar levar pelo reducionismo estúpido do consenso, há que se saber exatamente por que certas figuras da História reúnem a sua volta tamanha carga de polêmica, sem se dizer com isso que não tenham sido julgadas pelo tempo com o rigor merecido. Decerto o que mais fascina em tudo quanto se refere aos vampiros é a comparação do que se sabe acerca da atuação mitológica dessas criaturas com sua dimensão humana, caso de Drácula, lembrado pela bravura em cenários de guerra e como um chefe de família devotado, que não se furtava a defender os seus com sangue se necessário.
A partir do argumento de Robert Kirkman, os roteiristas Ryan Ridley e Ava Tramer chegam a um Renfield belo como uma escultura de mármore das que se põem diante das lápides nos cemitérios. Sua eterna juventude é cansada, plena de cansaço e do rancor de já não suportar mais a sina de ser escravo do Vampirão. Nicolas Cage passa quase despercebido ao longo dos céleres 93 minutos, deixando o estrelato todo para Nicholas Hoult, que se sai bem tanto nas sequências em que Renfield, sempre envolto na incômoda luz verde da fotografia de Mitchell Amundsen, procura alento depois de trucidar seres humanos vivos como no divertido antirromance com a oficial Rebecca Quincy, da muito talentosa Awkwafina.
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