Os confrontos entre Roma e os territórios situados entre a Bretanha e a vasta extensão compreendida pelos rios Sena e Loire se perderam na poeira do tempo, mas em “Asterix e Obelix no Reino do Meio”, a paixão de Guillaume Canet pelo universo desses personagens icônicos sugere que o passado está prestes a ressurgir. A visão do diretor, moldada desde a infância pela admiração por esses heróis, impulsiona sua determinação em preservar a essência épica da dupla, ainda que o enredo se afaste da verossimilhança histórica e se aproxime do espírito grandioso das lendas.
Seis décadas depois de sua criação, Asterix, o guerreiro da Armórica, e seu inseparável companheiro Obelix, detentor de força sobre-humana, seguem defendendo sua aldeia da eterna ameaça romana. Lançados nas páginas em 1959, os personagens levaram quatro décadas para alcançar o cinema com “Asterix e Obelix contra César” (1999), de Claude Zidi. Agora, em “Asterix e Obelix no Reino do Meio”, os dois tentam manter sua rotina tranquila, marcada por caçadas a javalis — um hábito que Obelix cultiva com entusiasmo dobrado —, acompanhadas por canecas generosas de cerveja e goles da poção mágica que os distingue dos demais guerreiros.
A conquista do mundo antigo pelo Império Romano é anunciada pelo narrador Gérard Darmon, apenas para que se ressalte o único local que resiste à dominação de Júlio César (100 a.C. — 44 a.C.): um pequeno vilarejo gaulês, onde os protagonistas encontram tudo o que poderiam desejar. A trama de Canet, escrita em parceria com Julien Hervé e Philippe Mechelen, introduz os desdobramentos de uma nova investida militar, desta vez voltada para a China, ou o “Reino do Meio”, em 50 a.C. O pretexto para essa incursão reside na ascensão de Deng Tsin Quin, vivido por Bun Hay Mean, que derruba a imperatriz So Hi, interpretada por Linh-Dan Pham. Como de praxe na franquia, nomes e trocadilhos variam entre o espirituoso e o exagerado, compondo um humor que oscila entre a ironia sutil e o pastelão assumido.
Em meio ao caos político, a princesa Fu Yi (Julie Chen) escapa da perseguição de Deng Tsin Quin e, com a ajuda de Tat Han (Leanna Chea), encontra refúgio na Gália. Sua esperança reside na bravura dos habitantes da aldeia e, claro, nos feitos heroicos dos campeões locais, que podem garantir o retorno de sua mãe ao trono e a restauração da ordem em sua terra natal.
O próprio Canet encarna Asterix e conduz a trama com um equilíbrio entre ação e humor, enquanto Vincent Cassel assume o papel de César, ladeado por Marion Cotillard como Cleópatra. A relação entre os dois líderes é explorada em cenas que transitam entre a comédia e a crítica social, evidenciando nuances de xenofobia, misoginia e disputas de poder. José Garcia, no papel do biógrafo Biopix, é responsável por eternizar essas rusgas de forma exagerada, tornando-se um dos destaques cômicos do longa.
Obelix, interpretado por Gilles Lellouche, surge em momentos que, embora não sejam memoráveis, garantem certo dinamismo. No entanto, a sensação predominante é a de que a história engata de fato apenas na metade do segundo ato, quando o embate contra o vilão de Cassel ganha força e a ameaça à China se torna iminente. O desfecho culmina em uma batalha que reitera a essência heroica da dupla, consolidada ao longo das décadas pelo roteirista René Goscinny (1926-1977) e pelo ilustrador Albert Uderzo (1927-2020).
O clímax do filme surpreende ao apostar em uma paródia inesperada da icônica trilha sonora de “Dirty Dancing — Ritmo Quente” (1987), de Emile Ardolino (1943-1993), encerrando a narrativa em um tom lúdico que celebra o escapismo e a longevidade do universo de Asterix. “Asterix e Obelix no Reino do Meio” é um retorno à fórmula clássica de aventura e humor, sem ceder às exigências de um cinema dominado por efeitos visuais, reafirmando a identidade carismática e atemporal desses personagens que há mais de sessenta anos seguem conquistando gerações.
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