Você talvez tenha tomado conhecimento da história de Reality Winner pelo filme “Reality”, dirigido por Tina Satter e lançado em 2023. Com uma interpretação marcante de Sydney Sweeney, o longa, de 1 hora e 23 minutos, adota o formato de teatro verbatim, reproduzindo fielmente as transcrições do interrogatório do FBI com a ex-tradutora da NSA. No entanto, “Winner”, dirigido por Susanna Fogel e lançado no ano seguinte, vai além dessa abordagem, oferecendo um panorama mais amplo e detalhado sobre a trajetória de Reality e o contexto de sua decisão.
A pouca visibilidade midiática do caso de Winner foi um dos principais obstáculos enfrentados por “Reality”. Apesar da severidade das consequências impostas a ela pelo governo americano, sua história permaneceu à sombra de outras denúncias de vazamento de informações sigilosas. “Winner”, por sua vez, resgata essa narrativa desde sua origem, mostrando como eventos determinantes moldaram a visão de mundo da protagonista. Aos nove anos, Reality testemunhou pela televisão a destruição das Torres Gêmeas nos atentados de 11 de setembro. O impacto desse episódio despertou seu interesse pelo Afeganistão e pelos idiomas da região, levando-a a se especializar em dari, farsi e pashto.
Contudo, sua inquietação política não surgiu do nada. Criada em um ambiente familiar intelectualmente estimulante, Reality foi exposta, desde cedo, a debates sobre justiça, economia e geopolítica. Seu pai, Ron Winner, engenheiro e ex-militar, e sua mãe, Billie Winner-Davis, assistente social, cultivavam um espaço onde discussões aprofundadas sobre temas sociais eram parte da rotina. Esse convívio formou sua consciência crítica, tornando-a naturalmente engajada em questões humanitárias e políticas.
Assim, os ataques de 11 de setembro não foram apenas um marco histórico para Reality, mas um ponto de virada em sua trajetória pessoal. Com um olhar atento para os desdobramentos da guerra no Oriente Médio, ela desenvolveu um profundo senso de empatia pelas populações afetadas pelos conflitos. Determinada a contribuir de maneira ativa, ingressou na Força Aérea dos Estados Unidos como tradutora, auxiliando no monitoramento de ameaças e na eliminação de centenas de alvos terroristas. No entanto, sua crescente percepção ética a levou a questionar os métodos empregados. A vigilância sobre civis era justificável? Sua atuação realmente promovia segurança ou apenas perpetuava ciclos de violência?
Essa inquietação se intensificou quando Reality passou a trabalhar na Agência de Segurança Nacional (NSA). Foi nesse ambiente que ela teve acesso a documentos confidenciais que revelavam tentativas russas de interferência nas eleições presidenciais dos Estados Unidos. Diante da gravidade do material, tomou uma decisão que mudaria sua vida para sempre: imprimiu os documentos e os enviou ao jornal The Intercept. Pouco depois, o FBI bateu à sua porta.
Se o desfecho dessa história ainda é desconhecido para você, vale a pena assistir ao filme. O caso de Reality Winner é crucial para o debate sobre democracia e transparência governamental, evidenciando que até mesmo países considerados referências democráticas possuem mecanismos que operam à margem dos ideais de justiça e equidade. Ao contrário de Edward Snowden, cuja denúncia recebeu ampla cobertura midiática, Reality enfrentou as penalidades mais rigorosas da Lei de Espionagem sem o mesmo respaldo da opinião pública.
“Winner” não apenas aprofunda o retrato da protagonista como também destaca o impacto humano de suas escolhas. Sua exibição deveria ser obrigatória em escolas, pois oferece uma reflexão fundamental sobre a fragilidade dos sistemas democráticos e a necessidade de formar cidadãos críticos, comprometidos com princípios éticos e morais desde a juventude.
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