A continuação de “O Preço da Família” (2022), intitulada “O Preço da Herança da Vovó”, mantém seu olhar afiado sobre os conflitos domésticos, revelando que a tensão entre parentes transcende classes sociais e fronteiras geográficas. Da aristocracia europeia aos rincões do Brasil profundo, as disputas por dinheiro, afeto e reconhecimento moldam a trajetória de qualquer família, independentemente de sua cultura ou crença.
No célebre início de “Anna Kariênina” (1877), Liev Tolstói (1828-1910) sentencia que famílias felizes se assemelham, mas as desventuradas têm sua própria assinatura. O enredo de Giovanni Bognetti toma esse princípio como combustível, explorando a dinâmica disfuncional de um casal capaz de qualquer absurdo para reivindicar uma herança que não lhe pertence. Se antes inspiravam compaixão na tentativa de reconquistar os filhos, agora exibem um grau ainda maior de desvario ao se envolverem numa trama mirabolante contra um oponente astuto e bem-posicionado.
Bognetti, inspirado no espírito das comédias clássicas, resgata o tempero afetivo de um cinema que evocava o calor das relações humanas, remetendo a chanchadas icônicas. Com Christian De Sica — filho do lendário Vittorio De Sica (1901-1974) — no papel de Carlo, e Angela Finocchiaro como Anna, sua esposa, a narrativa se desenrola entre farsas e equívocos. Seus filhos, Emilio (Claudio Colica) e Alessandra (Dharma Mangia Woods), parecem finalmente seguir seus próprios caminhos, alheios à farsa dos pais. Mas a peça teatral em que todos se encontram imersos não tem um fim definido, e apenas Giuliana, com sua autenticidade escandalosa, destoa da artificialidade da família.
O roteiro conduz a trama com precisão, girando em torno de uma herança de seis milhões de euros que Giuliana recebe de uma tia, acirrando as disputas familiares. Em meio às intrigas, Nunzio, namorado da matriarca, carrega um histórico que o liga ao passado de Anna, acrescentando uma camada de manipulação e segundas intenções. Entre jogadas moralmente questionáveis, as relações se embaralham num jogo onde ninguém parece disposto a ceder.
Fioretta Mari e Ninni Bruschetta assumem os momentos mais excêntricos e hilários do longa. Mari vive uma ex-atriz convencida a retornar aos palcos para protagonizar uma versão feminista de “O Velho e o Mar” (1952), de Ernest Hemingway (1899-1961), enquanto Bruschetta encarna um amante disposto a abandonar tudo para viver com Giuliana num paraíso ensolarado, onde imagina passar os dias entre dunas e paixões desenfreadas. No entanto, a realidade se impõe, e ninguém concretiza seus desejos mais fantasiosos. “O Preço da Herança da Vovó” evidencia, ao fim, que a sabedoria popular tem razão: nem tudo que brilha guarda valor genuíno.
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