A vida é um intervalo curto entre nascer e morrer, durante o qual o homem persegue respostas para questões as mais complexas, as mais incômodas, sabendo que não irá encontrá-las — ou, pior, pensará tê-las encontrado, até que, muito tempo depois, terá de admitir que precipitou-se. Assim mesmo, cada um toma sua cruz e busca sentido para a caminhada, achando uma ou outra mão amiga, umas vacilantes, outras mais firmes, e o medo e a esperança muitas vezes acabam tornando-se uma coisa só. O amor pelo amor não basta. As borboletas se amam umas às outras, embora nunca venham a saber disso — e nunca sequer tenham a consciência de que de fato são borboletas e não apenas fazem parte do sonho de algum filosofo chinês.
Os desencontros de um homem e uma mulher tomam corpo em “Retiro do Amor”, comédia romântica que faz dos sonhos, os acintosamente vivos e os que já quase calados pela agonia da longa espera, a matéria-prima de uma história que se sustenta pela força do argumento que reza que o amor supera qualquer dificuldade, ultrapassa todos os obstáculos e supre carências afetivas de outros carnavais. Terry Ingram transforma uma imagem batida acerca de amantes que perdem-se uns dos outros num conto de fadas pós-moderno, protagonizado por uma defensora pública durona e um veterinário mansinho, vítimas do caprichoso fado.
O amor pode ser como os perfumes, que evolam sem que se perceba, conquanto sempre deixem seu rastro de fragrâncias ora adocicadas, ora cítricas, quase azedas; como as cores, luminosas feito o sol numa tarde de verão, ou tão lúgubres e escuras que tingem de morte o que deveria sembrar apenas o existir mesmo. Dias de caos dão lugar às noites frias em que a cama parece um deserto branco de lençóis que a fadiga do corpo ajuda a vencer. No entanto, sempre chega a hora em que a solidão renuncia a suas eventuais delicadezas e põe de fora as garras, sabendo exatamente por onde começar seu ataque. Relações são quase sempre pautadas por crises, e não é incomum encontrar gente que diga ser adepta de um súbito gelo a fim de que a chama do amor arda outra vez, com mais força.
Abby acompanha Rachel, a melhor amiga interpretada por Meghan Heffern, a um sofisticado resort, famoso por oferecer terapias alternativas para o combate ao estresse. Abby imagina que Rachel precisa dessa escapadela por ter colocado um ponto final num namoro longevo, mas como o roteiro de Erin Fischer e Hayley Frazier não tarda a explicar, trata-se de um plano de Rachel para fazer com que Abby, uma workaholic convicta, desacelere. Apesar dessa mentirinha branca, tudo corre bem… pelo menos até que ela se dê conta de que mais uma surpresa a aguarda.
Sean, o amigo inseparável com quem combinara de viajar o mundo ao fim do ensino médio, é um dos hóspedes, e Abby imediatamente se lembra que eles romperam porque, na hora marcada, ele não apareceu. Ingram é hábil ao manejar o carrossel de emoções que passa a reger o enredo, todas emanadas da tensão dessa novidade. Como uma típica produção Hallmark, “Retiro do Amor” acha um jeito de apresentar as situações de maior atrito com leveza, como na sequência em que, durante uma atividade de arvorismo, Sean estagna de pavor e é resgatado, adivinhem, por Abby.
A afinidade entre Emilie Ullerup e Peter Mooney mantém o interesse do espectador por um encadeamento de lugares-comuns, da mesma forma como opera Chris Gauthier (1976-2024) na pele de Randy, o afetado e solícito anfitrião. Como se assiste pouco depois, também chega a vez de Sean mostrar seu lado herói e salvar Abby e a si mesmo quando os dois perdem-se na floresta, com direito a uma nova revelação, que por seu turno provoca mais ruptura, quase definitiva. Como isto aqui é uma comédia romântica com a natureza mais selvagem por cenário, já se pode saber o desfecho dos dois. Afinal, amores não podem ser brandos toda a vida.
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