Ao longo das últimas cinco décadas, a posição feminina na sociedade se transformou de maneira tão marcante que se tornou uma prova incontestável das revoluções que testemunhamos. Em meados dos anos 1970, encontrar uma mulher ocupando cargo de comando evocava quase o mesmo espanto que topar com um visitante extraterrestre, de pele colorida e apêndices cintilantes na cabeça. Porém, na atualidade, não há cena mais rotineira do que observar, por trás de grandes corporações — do setor varejista às instituições públicas —, pessoas que não abrem mão do salto alto, do batom sofisticado e do conjunto elegante, demonstrando, ao mesmo tempo, habilidades de gestão de altíssimo nível.
É impressionante perceber quanto desse avanço se deve à tenacidade de inúmeras mulheres que, partindo de contextos historicamente limitadores, galgaram posições inimagináveis. Ainda assim, o caminho de cada uma cobrou sacrifícios profundos, além de um esforço monumental. Em “Meio Grávida”, a protagonista vive esse dilema com consciência, mas percebe que seu invejável percurso profissional não supre a ausência do que considera primordial. Sob a batuta do diretor Tyler Spindel, que segue a veia cômica de sua família célebre mas busca ir além do riso fácil, o enredo brinca com a ideia de uma comédia turbulenta que gera desconforto gostoso. Ao mesmo tempo, convida o público a refletir sobre a angústia da maternidade, assunto cada vez mais restrito — embora haja bebês surgindo aos montes.
Diante desse cenário, há filhos que, ao crescer, se mostram pouco dispostos a abdicar dos próprios desejos, enquanto pais tentam compreender como conciliar as mudanças que abalam sua rotina. A dança frenética entre gerações culmina num turbilhão caótico e parece longe de oferecer soluções claras para os dilemas de quem já não enxerga um caminho simples. Para muitas mulheres, a dor da maternidade se intensifica quando a independência e o sucesso profissional colidem com um relacionamento falho e cheio de conflitos. Nessa história, tudo vem abaixo de modo espetacular, fazendo emergir desafios ainda mais complexos para quem acreditava ter o controle.
É nesse contexto que conhecemos Lainy Newton, interpretada por Amy Schumer, uma professora que anseia por ser mãe a todo custo. Seu namorado, Dave, papel de Damon Wayans Jr., revela que não partilha a mesma prioridade: deseja, na verdade, adicionar outra parceira à vida íntima do casal em nome de uma suposta “evolução” no compromisso a dois. Lainy, arrasada, rompe o namoro e, ao seu redor, uma onda de novas gestações parece não ter fim — a começar por Kate, interpretada por Jillian Bell, cuja postura reforça a impressão de que não existe perfil universal para encarar a maternidade.
A partir de um roteiro assinado pela própria Schumer em parceria com Julie Paiva, o diretor apresenta um retrato desconcertante do desespero de Lainy para ter um filho, que chega ao ponto de ela ostentar uma barriga postiça, numa tentativa desajeitada de lidar com seus desejos. Embora pareça improvável levar adiante uma trama com esses contornos, a dupla protagonista e Spindel encontram espaço até para referências que vão de Shakespeare às reflexões afiadas de bell hooks (1952–2021), abrindo brechas inteligentes para discutir a verdadeira essência de família e afeto em meio à comédia, ao caos e à sincera vontade de fazer rir.
No fim das contas, “Meio Grávida” imprime mais do que situações cômicas: exibe as contradições de quem deseja conquistar tudo, mas se vê entrelaçado em sonhos conflitantes. Enquanto filtra o humor por uma lente crítica, deixa no ar a pergunta sobre quantas mulheres, ainda hoje, batalham para conciliar o que querem para si com as expectativas que o mundo insiste em impor. O saldo é um convite à empatia e ao riso, mas também a uma reflexão profunda sobre o lugar que cada um de nós ocupa nessa ciranda de transformações sociais.
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