Na penumbra de uma noite chuvosa, os primeiros a notar a presença da morte são os urubus. Logo depois, surgem os grandes predadores, cada qual seguindo a rigorosa ordem do reino animal. No entanto, essas aves negras subvertem a lógica predatória ao desempenhar um duplo papel: eliminam o que já não tem vida e asseguram a limpeza do ambiente. Essa hierarquia oculta, de criaturas que se alimentam do desastre, parece ter inspirado Dan Gilroy na concepção de sua visão mordaz sobre o espetáculo do horror midiático.
“O Abutre” escancara a busca insaciável pelo sensacionalismo na imprensa e expõe a ascensão de um anti-herói de olhar vazio e ambição voraz. Ele percorre as ruas em busca do pior que a cidade tem a oferecer: explosões, acidentes, assassinatos, tragédias domésticas que acabam em sangue. Tudo é matéria-prima para um mercado faminto por imagens brutais, onde a miséria humana é convertida em produto e negociada a preços baixos para emissoras que disputam espectadores com apetite mórbido. No topo desse ecossistema, alguém precisa reinar.
Lou Bloom é um oportunista astuto, que começa sua trajetória catando sucata nos arredores de Los Angeles para garantir um jantar modesto. Vagando pela cidade, descobre que a cobertura de crimes e tragédias funciona sem qualquer escrúpulo ou contrato formal com grandes redes. Quem chega primeiro ao local de um incidente garante a melhor história, mesmo que para isso seja necessário se antecipar à própria polícia.
É nessa busca por um espaço no mercado da desgraça que ele cruza com Nina Romina, editora de um canal decadente. Se um dia teve alguma ilusão de estar ali para informar, essa ideia morreu há tempos. Seu critério é simples: imagens violentas são bem-vindas, desde que as vítimas sejam ricas e brancas. Qualquer outra realidade não atrai audiência. Lou encontra, assim, o ambiente ideal para seu jogo cínico.
Com ecos de “A Montanha dos Sete Abutres” (1951), de Billy Wilder, e “Cidadão Kane” (1941), de Orson Welles, o filme se impõe como referência inevitável para quem estuda os bastidores do jornalismo. No entanto, seu mérito não está apenas na crítica midiática. Dan Gilroy conduz um estudo ácido sobre a exploração do medo e da tragédia, contrapondo dois personagens que, de formas distintas, manipulam a percepção pública.
Jake Gyllenhaal e Rene Russo brilham em um embate de personalidades sem escrúpulos, no qual a ética se dissolve diante da necessidade de alimentar um ciclo interminável de audiência. Lou Bloom encarna a perversão contemporânea da informação: um manipulador incansável, que se esconde sob uma fala polida e sem emoção. Em um mundo onde a exposição da intimidade é inevitável, seu tipo se torna não apenas aceitável, mas desejável. Sua ascensão é inevitável, mas sua queda também está sempre à espreita.
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