É impossível permanecer alheio a uma trama onde a protagonista se esconde atrás de uma fachada de resistência que, no fundo, não sustenta. Mais do que a jornada de uma única personagem, trata-se de um embate entre duas figuras marcadas por feridas profundas, conduzidas pelo cineasta francês Cedric Nicolas-Troyan.
Com base no roteiro ágil de Umair Aleem, o filme estrutura um turbilhão de sequências frenéticas entrelaçadas a diálogos que pontuam revelações cruciais. Embora os elaborados efeitos visuais, desenvolvidos por uma equipe de centenas de técnicos, sejam um elemento notável, o grande mérito da obra reside na moderação. Há passagens onde qualquer palavra soaria deslocada e outras em que a pausa se torna imperativa para que todos — personagens, diretor, elenco e público — absorvam o momento.
Um caminhão rosa adentra Osaka, transportando aquela que dá nome à narrativa. Carregando traumas cuja extensão é revelada gradativamente, Kate se vê interpretada por Mary Elizabeth Winstead com uma contenção cuidadosa. Já na primeira cena, enquadrada pela edição minuciosa de Sandra Montiel e Elísabet Ronaldsdóttir, sua expressão fechada evidencia uma insegurança crescente quanto ao próprio caminho.
Designada para eliminar um influente chefão da Yakuza, hesita diante de um fator inesperado: a presença da filha dele, Ani, uma jovem de espírito combativo vivida por Miku Martineau. Atiradora de precisão treinada desde a infância por um veterano do ramo – o único elo que possui com algo parecido com uma família —, Kate aguarda além do previsto, mas dispara sem erro.
O mentor dessa assassina relutante atende por Varrick, ou simplesmente V, mais uma das figuras dúbias e sarcásticas que Woody Harrelson interpreta com habitual destreza. Ele aparece de forma pontual, marcando sua presença na virada entre o segundo e o terceiro ato. Enquanto isso, Nicolas-Troyan avança no tempo, transportando a narrativa para Tóquio, onde Kate retorna em busca de Ani, com intenções que vão muito além de uma simples visita.
O diretor equilibra a tensão da trama principal com digressões instigantes, incluindo nuances que exploram a feminilidade da protagonista. Em uma sequência solitária, ela se vê num bar, imersa em reflexões, quando a conversa com V toca em um desejo reprimido: levar uma vida comum, com casamento, filhos e uma casa cercada de brancas estacas. Esse devaneio é momentaneamente interrompido por Stephen, interpretado por Michiel Huisman, que se apresenta sem rodeios. Mas Kate é uma mulher de hábitos rígidos.
O relacionamento entre os dois não desanda de imediato apenas porque Kate encontra uma maneira de retardar os danos de sua condição, retomando o contato com Ani em meio ao caos de uma boate. De maneira sutil ou não, o longa permite que o vínculo entre as personagens ganhe tons de romance não concretizado, até que a narrativa retorna à sua espinha dorsal e a direção conduz a um desfecho alinhado a temas mais contemporâneos, como sororidade e independência feminina.
O eixo da Yakuza, liderado por Jojima — o gângster de personalidade magnética vivido por Miyavi — e Kijima, de Jun Kunimura, representa a encruzilhada final de Kate, que recebe as respostas que deveria ter descoberto sozinha. Assim, o cineasta reforça a tensão entre brutalidade e delicadeza, sem recuar na violência gráfica que sustenta sua visão, garantindo que nada seja interpretado de forma reducionista diante da complexidade de seus personagens.
★★★★★★★★★★