Numa realidade que destoa do senso comum, a sociedade impõe um destino singular aos que permanecem solteiros: são enviados a um hotel isolado, onde precisam encontrar um parceiro em um prazo fixo. Caso falhem, são caçados e eliminados. Essa premissa cruel é o alicerce de uma sátira sombria, na qual Colin Farrell interpreta David, um homem comum que, após ser abandonado pela namorada, se vê aprisionado nesse sistema implacável. A ele são feitas perguntas que, à primeira vista, parecem absurdas, mas que ali definem a sobrevivência.
Cada hóspede recebe 45 dias para se encaixar nas regras e conquistar um relacionamento. O controle rígido é administrado pela gerente do hotel, papel de Olivia Colman, que pune qualquer transgressão com severidade. A masturbação, por exemplo, custa a Robert (John C. Reilly) a queimadura de uma mão em uma torradeira. As normas, impiedosas, reforçam a ideia de que a ordem social exige conformidade absoluta. A individualidade é anulada, e até a mentira é punida caso desmascarada. Quem fracassa nesse experimento social é lançado na floresta e caçado por aqueles que ainda disputam sua permanência no hotel.
Há ainda outra imposição peculiar: cada solteiro deve escolher um animal para se tornar caso falhe na busca por um par. David elege a lagosta, uma escolha que, assim como todo o conceito do filme, carrega uma camada de ironia. O desespero para encontrar um parceiro leva os hóspedes a forjar afinidades, dispostos a qualquer sacrifício para garantir uma existência aprovada pelo sistema. O ambiente impõe uma lógica bizarra, em que a caça aos solteiros se transforma em um esporte, e a mentira, quando bem-sucedida, pode significar dias extras de vida dentro do hotel.
Dirigido por Yorgos Lanthimos em sua primeira incursão no cinema de língua inglesa, o filme expõe o desejo humano por pertencimento e a necessidade de imposição de regras para organizar a vida social. No universo construído pelo diretor, ser solteiro não é apenas uma anomalia: é um crime. As normas rígidas da narrativa ecoam de forma inquietante na realidade, onde padrões de comportamento ainda ditam expectativas sobre relacionamentos e pertencimento. Embora caricata, a premissa reflete as pressões sociais que operam de forma menos explícita no cotidiano.
A frieza dos diálogos e a ausência de expressões emocionais nos personagens servem a um propósito: reforçar a ideia de que, sob um regime de controle absoluto, sentimentos e individualidade são supérfluos. As interações são mecânicas, as vozes não oscilam, as reações são mínimas. Até diante do suicídio de uma hóspede, ninguém demonstra choque ou horror, apenas a indiferença programada de quem já não tem espaço para emoções genuínas.
Colin Farrell entrega uma atuação contida, transformando-se em um homem apático e resignado, cuja aparência comum — incluindo a barriga levemente saliente — reforça seu papel de peça descartável nesse experimento social. Sua passividade contrasta com a brutalidade do sistema que o cerca, onde até mesmo o som de um cachorro sendo morto não é capaz de despertá-lo. Esse estado de letargia permeia todo o filme, uma anestesia que revela o peso insuportável da conformidade imposta.
Para dar autenticidade ao ambiente desprovido de artifícios, o elenco quase não recebeu maquiagem, e a fotografia naturalista destaca a frieza impessoal do cenário. Filmado em locações rurais da Irlanda e em Dublin, o espaço foi propositalmente descaracterizado para que não remetesse a nenhum lugar específico. A ambientação, aliada à estética minimalista, reforça a sensação de distanciamento e impessoalidade que rege essa sociedade distópica.
★★★★★★★★★★