O cinema francês experimenta uma metamorfose contínua, transitando entre a tradição e uma renovada voracidade por narrativas mais ágeis. No campo dos filmes de ação, a ascensão é evidente, especialmente quando giram em torno de jovens criminosos, cujas jornadas são intrincadas por dilemas familiares. Jérémie Guez compreendeu essa inclinação e, com “Tigres e Hienas”, entrega 109 minutos de uma trajetória permeada por excessos fugazes e provações corrosivas.
O protagonista, um traficante de drogas, vê seu mundo ruir ao descobrir que o sogro, um dos mais astutos assaltantes de bancos da França, foi capturado com sua quadrilha. Diante desse abismo, Guez e seu corroteirista, Louis Lagayette, estruturam uma narrativa que estreita cada vez mais seus corredores, enredando tanto os personagens quanto o público em um embate tenso e irrefreável. A trama se desenrola com uma precisão quase cirúrgica, onde cada elemento tem um peso exato, compondo um intricado jogo de estratégias que prende o espectador pela minúcia de seus detalhes, sem espaço para excessos ou lacunas.
Serge Lamy, o sogro de Malik, enfrenta julgamento e, em meio às engrenagens do sistema, uma alternativa improvável surge. Iris, advogada de um dos cúmplices do bando, apresenta ao protagonista uma proposta que redefine os rumos de sua trajetória: assumir o posto do criminoso encarcerado em um audacioso assalto, garantindo assim sua liberdade. A relação entre Malik e Serge, vivenciado por Vincent Perez, é atravessada por uma tensão preexistente, explorada minuciosamente por Guez e Lagayette, que incorporam ao roteiro um possível ponto de ruptura, alinhado ao título do longa.
O nome da obra evoca diretamente Schopenhauer, para quem o ser humano se sobressai às feras em brutalidade. Na espiral imprevisível do destino, tragédias e reviravoltas despontam com a mesma naturalidade de um mal silencioso que se instala sem alarde, ou então surgem abruptas, demolindo qualquer vestígio de estabilidade e varrendo impiedosamente os que ousam enfrentá-las.
Para Schopenhauer, a existência é a incessante manifestação da vontade, uma busca cega e desordenada por desejos que muitas vezes permanecem inexplorados, latentes e sombrios. Em “O Mundo como Vontade e Representação” (1818), o filósofo argumenta que o homem age não pelo que almeja, mas pelo que lhe é possível dentro de sua natureza.
Malik, interpretado por Waël Sersoub, talvez nunca tenha folheado uma única página do pensador alemão, mas sua trajetória reflete essa premissa: seus passos são ditados pelas circunstâncias e não por sua vontade. Guez constrói um universo onde a bagagem intelectual do espectador não é um pré-requisito para compreender a narrativa, mas aqueles que desconhecem as bases filosóficas subjacentes ainda assim percebem a essência de sua mensagem: ninguém escapa do próprio passado, e quem reincide na queda dificilmente se libertará da gravidade que o atrai de volta ao abismo.
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