Ao se estabelecer na Polônia, o sueco Magnus von Horn se viu diante de uma experiência que redefiniria sua trajetória. Um assalto brutal, de uma violência que lhe parecia desproporcional, despertou um interesse visceral pelos impulsos que levam indivíduos a agredir seus semelhantes, mesmo quando isso compromete sua própria existência. “A Garota da Agulha” não apenas investiga essa pulsão destrutiva, mas também desvenda uma realidade marcada por sofrimentos silenciados, como a miséria que se esconde entre as paredes insalubres de um cortiço na Copenhague de 1919.
Trabalhando em uma tecelagem que abastece os alemães com uniformes durante os anos finais da Primeira Guerra Mundial, Karoline é um reflexo das engrenagens impiedosas do capitalismo, cuja precariedade a coloca em um caminho sem volta. Magnus von Horn e a corroteirista Line Langebek Knudsen conduzem a trama por uma análise provocativa sobre um direito das mulheres que, na narrativa, deságua em uma estrutura sombria e implacável: uma rede clandestina de extermínio de recém-nascidos marginalizados. Karoline Nielsen, a personagem central, é fictícia, mas a história tem raízes reais na trajetória de Dagmar Overbye (1887-1929), uma mulher que se apresentava como benfeitora de mães solteiras desamparadas, prometendo um lar para seus filhos rejeitados, mas que se revelou uma das figuras mais sombrias da crônica policial dinamarquesa, uma assassina em série meticulosa e insensível.
A protagonista enfrenta o risco iminente do despejo após meses sem conseguir pagar o aluguel. Sem alternativas, deposita todas as esperanças no emprego da fábrica, até que um evento inesperado promete mudar seu destino. O patrão, Jørgen, demonstra interesse por ela, e uma relação se desenha entre os dois, culminando em uma gravidez que sugere um futuro menos cruel. No entanto, essa possibilidade logo se desfaz. Em um encontro arrasador com a mãe de Jørgen, as ilusões de Karoline são cruelmente esmagadas. Uma sequência na mansão da família industrialista marca a transição do drama social para um horror psicológico implacável. A medida que a barriga cresce, a angústia se intensifica, levando-a a recorrer a métodos extremos para interromper a gestação, incluindo a tentativa de perfurar o próprio ventre com uma agulha de crochê, um gesto desesperado que dá nome ao filme.
A salvação parece surgir na figura de Dagmar, uma mulher que se apresenta como uma protetora, oferecendo soluções para mães que não podem criar seus filhos. Mas sua bondade tem um preço, e o que começa como um pacto de confiança se revela uma armadilha perversa. O vínculo ambíguo entre as duas personagens se torna o eixo da trama, à medida que Dagmar é gradualmente exposta por suas ações brutais. Trine Dyrholm constrói uma antagonista enigmática, uma figura que oscila entre a austeridade e a frieza absoluta, enquanto Vic Carmen Sonne entrega uma performance visceral, capturando a vulnerabilidade de Karoline.
Falsas aparências permeiam toda a narrativa, e Peter, o marido traído de Karoline, vivido por Besir Zeciri, representa outro elemento dessa engrenagem cruel. Retornando da guerra com marcas irreparáveis, ele se vê reduzido a uma atração circense, uma metáfora amarga para a forma como aqueles à margem da sociedade são descartados. “A Garota da Agulha” não se limita a expor brutalidades históricas; é um soco certeiro na crença ingênua de que o mundo reserva espaço para as esperanças dos desvalidos, uma história que perfura certezas e assombra com sua frieza implacável.
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