O maior e mais amado faroeste de todos os tempos chegou à Netflix Divulgação / Paramount Pictures

O maior e mais amado faroeste de todos os tempos chegou à Netflix

Sergio Leone transformou o faroeste em um espetáculo grandioso, onde cada silêncio pesa tanto quanto um tiro e cada imagem se torna uma peça essencial na construção de um mito. “Era uma Vez no Oeste” ultrapassa a mera narrativa de um Oeste em transição; é um réquiem visual e sonoro que traduz a agonia do fim de uma era e, ao mesmo tempo, reflete sobre os rumos da própria arte cinematográfica. Sem perder de vista os ícones do gênero, Leone os conduz ao inevitável crepúsculo, impregnando cada cena com um tom de despedida solene e definitiva.

A aparente linearidade da trama esconde uma profundidade simbólica que vai além do embate entre mocinhos e vilões. A ferrovia que avança pelo deserto não é apenas um indício de progresso, mas a sentença de morte de um mundo regido por códigos inflexíveis e duelos à sombra do destino. Harmonica, Frank, Jill e Cheyenne não são apenas personagens, mas arquétipos em vias de extinção. Leone compreende que o faroeste pertence à memória e conduz sua história como uma cerimônia fúnebre, onde cada cena soa como um adeus definitivo.

Visualmente, o filme é uma obra-prima de composição e ritmo. Leone leva ao extremo sua estilização, transformando gestos banais em rituais de tensão máxima. A icônica cena inicial — três pistoleiros esperando um trem sob o sol impiedoso — encapsula essa abordagem. O tempo se dilata, preenchido por sons mínimos: o ranger da madeira, o zumbido de uma mosca, o gotejar de uma torneira enferrujada. Quando a ação explode, o desfecho já estava selado muito antes do primeiro disparo. Nada é gratuito, tudo converge para um destino inevitável.

Se a imagem conduz a narrativa como um poema visual, a trilha sonora de Ennio Morricone a transforma em uma ópera trágica. A música não acompanha, mas estrutura o filme. Cada personagem tem um tema próprio: a gaita assombrada de Harmonica, impregnada de vingança e dor; os acordes dissonantes que anunciam Frank, frio e impiedoso; a melodia lírica de Jill, símbolo de resiliência e transformação. Leone e Morricone operam em absoluta sintonia, entrelaçando som e imagem de forma indissociável.

Diferente da trilogia dos dólares, onde Leone subvertia os clichês do gênero, aqui ele os eleva à dimensão do épico. O duelo entre Harmonica e Frank não se limita a um acerto de contas; é um rito de passagem, um desdobramento trágico de um passado inescapável. A vingança não se apresenta como um triunfo, mas como um ato necessário para que a história possa seguir adiante, completando um ciclo que se fecha de forma irremediável.

Mas Leone não apenas retrata o ocaso do Velho Oeste; reflete sobre a própria posição do western no cinema. “Era uma Vez no Oeste” não trata apenas da chegada da ferrovia, mas da transformação do cinema, que relegaria os faroestes clássicos ao passado. O filme se torna, assim, um epitáfio tanto para os pistoleiros quanto para o próprio gênero que os imortalizou. Ao elevar o western a um espetáculo operístico e melancólico, Leone não apenas o celebra, mas também lhe confere um encerramento definitivo.

Seu impacto vai além de seu tempo. Cineastas como Quentin Tarantino, Martin Scorsese e Christopher Nolan absorveram seu domínio da estilização, da tensão e da manipulação do tempo cinematográfico. Hoje, o faroeste se reinventa, de “Os Indomáveis” a distopias como “Mad Max: Estrada da Fúria”. Leone pode ter narrado o crepúsculo dos cowboys, mas sua influência permanece viva no cinema contemporâneo.

No fim, “Era uma Vez no Oeste” não é apenas uma história de vingança ou progresso. É um ritual de despedida. Leone não filmou apenas o fim do faroeste; ele o transformou em mito. O Velho Oeste desapareceu, o cinema clássico seguiu novos caminhos, mas enquanto houver imagens em movimento, sua melancolia imortal continuará ressoando, como o lamento de uma gaita perdido no horizonte.

Filme: Era uma Vez no Oeste
Diretor: Sergio Leone
Ano: 1968
Gênero: Drama/Épico/Faroeste
Avaliação: 10/10 1 1
★★★★★★★★★★