Estilo é estilo. Há quem se faça reconhecer por meio da forma como registra suas impressões sobre o mundo e suas barbaridades, amenizando-as ou, pelo contrário, destacando-lhes a natureza fora do comum, seja por absurda, cruel ou só estranha mesmo, ao passo que também existem aqueles que, mais ainda, conseguem ser invejados por isso. Para integrar a segunda categoria, é necessário, por óbvio, ter passado pela primeira, e, por seu turno, para se vir a ser admitido como artista e dono de um estilo próprio, levam-se anos, décadas, séculos muitas vezes. Bem-aventurados os que têm estilo, pois deles será o reino da glória. Existe uma contradição fundamental entre quem diz perseguir um estilo ou estar à procura de um.
A maneira verdadeiramente única de se expressar — e aqui nos referimos à expressão artística, que se tenha claro — não necessita nada além da vontade, às vezes nem isso. Estilo nunca foi um problema para John Carpenter, como seus “Vampiros” tratam de salientar. Pode-se gostar ou desgostar dos filmes de Carpenter, um veterano com cinquenta anos de estrada, mas ninguém pode dizer que não haja no diretor uma vocação e mesmo uma necessidade de subverter o estabelecido, e neste trabalho ele mostra que é capaz de fazer do western o pano de fundo ideal para que criaturas diabólicas saiam de seus tugúrios e infernizem uma cidadezinha pacata do Novo México, até que surja um daqueles anti-heróis tipicamente carpenterianos para salvar o dia. E eles sempre aparecem.
Jack Crow é um caçador de vampiros cuja família foi aniquilada por chupadores de sangue. Baseado no romance de terror “Vampire” (1990), de John Steakley (1951-2010), o roteiro de Don Jakoby desdobra-se sobre as amarguras muito particulares de Crow, que ele tenta esconder debaixo da carapaça de um autêntico troglodita, mas que vêm todas à superfície quando imbuído de sua função. James Woods dá ao protagonista contornos de um psicopata moderado, que remói a tristeza de ter sido forçado a matar o próprio pai depois que ele fora mordido por um súdito do Empalador. Aliás, pulsa no filme de Carpenter uma correlação ainda que inconsciente com “Drácula”, a emblemática ficção gótica publicada por Bram Stoker (1847-1912) em 1897 e levada à tela com louvável fidedignidade por Francis Ford Coppola em 1992.
O nome de Carpenter confunde-se de tal forma com o gênero que também acaba no título, e o cineasta aproveita a grife para dizer verdades incômodas, colocando na berlinda a Igreja, que vê-se obrigada a recorrer aos serviços de Crow porque não encontra mais sacerdotes de fé imperturbável, aptos a realizar um ritual de esconjuro como se deve. Vem à lembrança, claro, “O Exorcista” (1973), o clássico de William Friedkin (1935-2023), e para alcançar sucesso na empreitada, Crow dispõe da lealdade de Anthony Montoya, interpretado por Daniel Baldwin, o irmão mais velho de Alec. Até que um grande infortúnio os colhe.
Montoya apaixona-se, adivinhem, por uma vampira, e dois passam a zanzar pelo deserto numa caminhonete azul-elétrico enquanto Crow não se decide a cortar o mal pela raiz. Sheryl Lee entra na história feito as mulheres de má fama de Carpenter, ostentando uma indócil juba loira e um par de seios que ocupam um decote farto, mas cuidadoso. O segundo ato é quase todo dedicado aos dois, e até poder-se-ia imaginar que o romantismo de “Eles Vivem” (1988) vai prevalecer. O diretor, por evidente, puxa a trama para o leito de novo, sublinhando a índole justiceira de Crow, e se ele não perdoou o desditado pai, não aliviaria para Montoya. Carpenter sabe mesmo como dar exatamente o que o público quer.
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