Algumas pessoas são lembradas pelo que realizam, outras pelo que deixam de fazer. Esse dilema moral percorre “O Mistério do Farol”, que se debruça sobre as incertezas do destino e a forma como o acaso pode tornar a vida menos generosa do que se espera. A narrativa sugere um incômodo persistente: em circunstâncias extremas, nossas escolhas seriam realmente diferentes? E se o acaso for apenas um nome alternativo para a severidade da existência?
Em 2018, o dinamarquês Kristoffer Nyholm se propôs a investigar o aspecto enigmático de um evento real, conhecido como o Mistério da Ilha Flannan. O episódio, ocorrido em 1900, envolveu o desaparecimento de três faroleiros em uma ilha isolada a oeste da Escócia, alimentando um fascínio duradouro por suas implicações dramáticas. Com uma abordagem que mescla a reconstrução histórica ao estudo psicológico, Nyholm se apoia na tradição britânica de atuação, escalando Gerard Butler, Peter Mullan e Connor Swindells para dar corpo a personagens que carregam sobre si não apenas o peso de sua solidão, mas também o de um destino que se torna cada vez mais inquietante.
A dinâmica entre os três protagonistas se sustenta sobre camadas sutis de tensão e resignação. James (Butler) é o único que mantém vínculos além-mar, casado com Mary e pai de um filho, enquanto Thomas (Mullan) e Donald (Swindells) parecem dissolver-se no ambiente inóspito da ilha. Thomas, em especial, emerge como um homem consumido por suas perdas, viúvo de Cathy e pai de gêmeas que nunca chegaram a conhecer o mundo. Mullan constrói seu personagem com minúcia, revelando sua dor de forma silenciosa, mas pungente, num contraste com a ingenuidade de Donald e a racionalidade pragmática de James. Esse equilíbrio se altera à medida que os eventos avançam, empurrando cada um para posições inesperadas e expondo suas verdadeiras naturezas.
A chegada de um homem desconhecido e um misterioso baú marca a primeira virada crucial da história, forçando o trio a tomar uma decisão imediata e irrevogável. O que se segue não é apenas uma questão de sobrevivência, mas um teste moral de proporções incalculáveis. A segunda reviravolta aprofunda ainda mais a tensão, lançando luz sobre os impulsos mais sombrios de cada um, sobretudo no caso de Thomas. Mullan conduz seu personagem com maestria, oscilando entre um ar de inocência e um refinado senso de ameaça, envolvendo o espectador em uma ambiguidade desconcertante. Sua interpretação sugere uma figura que sofreu demasiadamente e, por isso, se permite escolhas que, em outro contexto, seriam inaceitáveis. Sua capacidade de manipulação atinge um ápice quando consegue enganar os marinheiros Locke e Boor (Søren Malling e Ólafur Darri Ólafsson), visitantes que chegam à ilha buscando respostas, mas se deixam levar pelas palavras do faroleiro antes de perceberem que caíram em uma armadilha.
Confinados em um ambiente que não oferece escapatória, os três homens vivem uma solidão que não se limita ao espaço físico da ilha. A relação entre Thomas, Donald e James, que inicialmente se desenhava como um pacto de convivência, se transforma em um campo de batalha moral, no qual a sobrevivência depende de alianças frágeis e traições inevitáveis. A tragédia iminente é construída com precisão cirúrgica, até que o desfecho se impõe como um golpe inevitável, uma lição amarga sobre a fragilidade humana e a ilusão do controle sobre o próprio destino.
Gerard Butler, Peter Mullan e Connor Swindells entregam performances que definem suas carreiras. Para Mullan, é uma reafirmação de sua excelência como intérprete de figuras atormentadas; para Butler, uma correção de trajetória após escolhas menos inspiradas; para Swindells, a confirmação de um talento promissor, que já havia se destacado na série “Sex Education” (2019) no papel do enigmático Adam Groff. Seu Donald é a peça-chave para a identificação do público, que, assim como ele, é levado a confiar em promessas vazias e a descobrir, tarde demais, que algumas verdades são construídas sobre mentiras cuidadosamente elaboradas. Nyholm não suaviza sua visão sobre a natureza humana, explorando suas sombras sem concessões, num tempo em que a franqueza sobre a crueldade do mundo é vista como pessimismo incorrigível.
★★★★★★★★★★