Uma das maiores histórias já contadas na Netflix Divulgação / Netflix

Uma das maiores histórias já contadas na Netflix

Aaron Sorkin, amplamente reconhecido por sua habilidade com diálogos afiados e roteiros densos, eleva sua trajetória com “Os 7 de Chicago”, uma obra que marca um salto notável em sua evolução como cineasta. Tendo conquistado reconhecimento por roteiros como os de “A Rede Social” e “Moneyball”, Sorkin estreou na direção com “A Grande Jogada” (2017), mas é neste filme que seu domínio narrativo se expande. A fusão entre sua escrita envolvente e uma abordagem visual mais refinada resulta em uma experiência que transcende o mero relato histórico e se torna uma reflexão sobre o presente.

Os diálogos, um traço distintivo de sua filmografia, são construídos com precisão quase cirúrgica. Mais do que simplesmente conduzir a trama, eles funcionam como ferramentas de dissecação psicológica, revelando os conflitos internos dos personagens e as tensões políticas da época. Embora a fluidez e o ritmo acelerado de suas falas se distanciem da oralidade cotidiana, essa estilização imprime uma força única à narrativa. O espectador é levado a acompanhar debates instigantes, carregados de subtexto e dilemas éticos, sem jamais perder o fio condutor da trama.

A história se desenrola a partir do julgamento dos sete ativistas acusados de incitar distúrbios durante a Convenção Nacional Democrata de 1968. Lançado em 2020, o filme ressoa com as divisões sociopolíticas contemporâneas, encontrando ecos no cenário turbulento dos Estados Unidos sob o governo Trump. Sorkin não se limita a uma reconstituição dos fatos, mas transforma a narrativa em um prisma para questionar as fragilidades da democracia e o uso do judiciário como instrumento de repressão. O longa, ao reconstruir esse episódio, reflete sobre padrões de autoritarismo que se repetem ao longo da história.

O elenco, composto por talentos diversos, amplifica a potência dramática da produção. Eddie Redmayne imprime intensidade ao papel de Tom Hayden, enquanto Sacha Baron Cohen surpreende ao encarnar com carisma e acidez o irreverente Abbie Hoffman. Yahya Abdul-Mateen II interpreta Bobby Seale, cofundador dos Panteras Negras, cuja presença no julgamento evidencia o racismo estrutural do sistema. O juiz Julius Hoffman, vivido por Frank Langella, encarna a parcialidade institucionalizada, enquanto Joseph Gordon-Levitt, como promotor, oferece uma perspectiva de nuances morais. Essa dinâmica reforça a sensação de um tribunal não apenas político, mas simbólico de embates ideológicos ainda latentes.

Embora tome liberdades criativas ao construir seus personagens como figuras heroicas em determinados momentos, o filme encontra equilíbrio ao intercalar esses momentos com a crueza dos eventos históricos. O roteiro, carregado de diálogos afiados e repleto de tensão dramática, não apenas dramatiza o julgamento, mas levanta discussões sobre direitos civis, polarização política e os métodos usados por governos para reprimir opositores. Ao revisitar o passado, Sorkin constrói um espelho no qual o presente se reflete, expondo feridas que nunca cicatrizaram por completo.

Disponível na Netflix, a produção vai além de uma simples crônica histórica. Funciona como um comentário incisivo sobre a persistência de estruturas de poder que instrumentalizam a justiça para fins políticos. Assim como os réus foram moldados como inimigos públicos em 1969, o filme sugere que os mesmos mecanismos de opressão seguem operando, muitas vezes sob roupagens distintas. Com isso, a narrativa se desdobra como uma crítica contundente à manipulação do aparato estatal e aos perigos de um sistema jurídico corrompido por interesses ideológicos.

Com um elenco afiado e uma direção que demonstra maior segurança, “Os 7 de Chicago” reafirma a relevância do cinema político e histórico na era contemporânea. O roteiro, denso e intelectualmente estimulante, conduz o público por uma trama que desafia as noções de justiça, liberdade e resistência. Sorkin entrega um filme que não apenas entretém, mas provoca reflexões sobre os limites da democracia e os riscos de sua erosão. No fim, a obra se firma como um poderoso lembrete de que a história não apenas se repete, mas ecoa, insistentemente, no presente.

Filme: Os 7 de Chicago
Diretor: Aaron Sorkin
Ano: 2020
Gênero: Biografia/Drama/Suspense
Avaliação: 9/10 1 1
★★★★★★★★★