O movimento #MeToo, iniciado nos Estados Unidos em 2017, marcou uma revolução na luta contra o abuso sexual, especialmente por parte de homens poderosos. Ao permitir que mulheres compartilhassem suas experiências de agressão, o movimento abriu as portas para uma série de denúncias que atingiram figuras influentes em diversas indústrias. No entanto, ao ganhar força, também gerou reações polarizadas.
Enquanto muitos aplaudiram o movimento por desafiar um sistema de silenciamento e impunidade, outros questionaram as consequências dessa mudança, argumentando que a linha entre assédio e interações cotidianas ficou borrada, especialmente entre os homens. Será que a crítica de que o movimento geraria um medo generalizado de flertar é uma tentativa de perpetuar um status quo dominado pelo machismo?
Apesar de seu marco de visibilidade ter sido em 2017, o #MeToo teve raízes em uma fundação mais antiga. Criado pela ativista Tarana Burke, o movimento surgiu em 2006 com o intuito de dar voz às mulheres marginalizadas, sobreviventes de violência sexual. No entanto, foi uma reportagem investigativa do The New York Times, assinada por Jodi Kantor e Megan Twohey, que catapultou o movimento para o cenário global.
A matéria investigava assédios e abusos sexuais no ambiente de trabalho, com foco no produtor Harvey Weinstein, então líder da Miramax. O que inicialmente se revelou como uma denúncia de assédio se transformou em uma história de uma rede extensiva de abusos sustentada por um sistema de poder e uma cultura de silêncio, protegendo o agressor e suas vítimas. O caso de Weinstein, como um ponto de ignição, expôs não apenas ele, mas uma série de outras figuras públicas em várias áreas, criando um efeito dominó de revelações.
Além de Weinstein, outros nomes de peso no mundo do entretenimento, como Kevin Spacey, Bill Cosby, R. Kelly e Roger Ailes, também foram acusados e expostos. Essas figuras, representativas de um sistema de abuso presente em múltiplos setores, inspiraram vítimas a se manifestarem, gerando um movimento global de conscientização e mudança. A repercussão desses casos também resultou na criação de leis e políticas mais rígidas de proteção às vítimas, enquanto o debate sobre o poder das figuras públicas e suas responsabilidades na perpetuação do abuso ganhou novos contornos.
O filme “Ela Disse”, dirigido por Maria Schrader e adaptado do livro escrito por Kantor e Twohey, narra com precisão e sensibilidade os bastidores dessa investigação monumental. A produção foca principalmente nas jornalistas, interpretadas por Zoe Kazan e Carey Mulligan, acompanhando sua jornada corajosa para revelar os abusos de Weinstein.
A narrativa começa com a resistência das vítimas e a luta de Twohey para superar suas próprias frustrações após a exposição pública de Donald Trump, um caso com muitos paralelos, mas que, paradoxalmente, não gerou grandes consequências para o acusado. Essa experiência traumática, unida ao impulso investigativo de Kantor, levou as duas repórteres a não desistirem da denúncia contra Weinstein, mesmo quando o sistema e a sociedade pareciam dispostos a silenciar os relatos. Durante meses, enfrentaram obstáculos enormes, desde o medo das vítimas em se expor até as ameaças que pairavam sobre as jornalistas. Elas vasculharam processos judiciais e rastrearam acordos financeiros secretos que foram feitos para manter o silêncio e proteger os agressores.
À medida que a investigação avançava, nomes como o da atriz Ashley Judd surgiram como fontes-chave, compartilhando suas próprias histórias de abuso e ajudando a dar corpo à denúncia. Outras celebridades, como Gwyneth Paltrow, também se juntaram, mas com reservas. Apesar da reticência de algumas, a investigação foi ganhando força, e o trabalho incansável das jornalistas resultou em uma revelação devastadora que não apenas expôs o abuso, mas também reforçou a importância da imprensa investigativa na luta contra o silêncio e a impunidade.
“Ela Disse” não é apenas um relato de uma investigação jornalística; é uma poderosa obra de resistência. O filme serve como uma celebração da coragem e da determinação das mulheres que escolheram quebrar o silêncio, bem como da importância de uma mídia independente que se recusa a se submeter às pressões dos poderosos. As atuações de Zoe Kazan e Carey Mulligan são destacadas por sua intensidade emocional e pela profundidade com que interpretam as jornalistas. A narrativa não só revela as tensões e os desafios dessa jornada, mas também nos lembra da força transformadora da verdade e da responsabilidade de uma sociedade em se posicionar contra abusos de poder.
O impacto do movimento #MeToo vai além das fronteiras de Hollywood, reverberando em outros setores da sociedade e trazendo à tona discussões profundas sobre o consentimento, o abuso e a desigualdade de poder. Através do filme, podemos perceber como a luta por justiça, embora difícil e dolorosa, não é apenas sobre os casos específicos de abuso, mas sobre uma transformação social mais ampla que visa erradicar práticas abusivas e garantir a responsabilização daqueles que detêm o poder. O #MeToo, em última análise, é um marco na construção de uma sociedade mais justa, onde as vozes das mulheres, finalmente, são ouvidas.
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