Nenhuma realidade parece severa o bastante quando se observa a brutalidade imposta às mulheres sob regimes islâmicos. No Irã, a teocracia vigente há 45 anos, desde que a Revolução de 1979 destituiu o xá Reza Pahlavi (1919-1980) em 11 de fevereiro daquele ano, perpetua um cotidiano de vigilância moral e coerção. Entre tantas vítimas dessa opressão, Mahsa Amini (1999-2022) teve seu destino selado a cinco dias de completar 23 anos, detida por deixar parte da franja à mostra sob o véu. O crime: não cobrir a cabeça conforme os padrões religiosos. Sua morte escancarou, mais uma vez, a engrenagem de intolerância que sufoca as mulheres iranianas.
O assassinato de Amini gerou indignação até mesmo dentro da fortaleza repressiva moldada pelo aiatolá Ruhollah Khomeini (1902-1989) e atualmente comandada por Ali Khamenei e pelo presidente Ebrahim Raisi. No entanto, a vida das mulheres iranianas permanece marcada por restrições sufocantes, o que “Holy Spider” denuncia com precisão brutal. Ali Abbasi escava um dos muitos casos de feminicídio enraizados na estrutura da sociedade iraniana, produto direto da anulação das liberdades individuais sob um fundamentalismo que se fortalece pelo controle absoluto do corpo e da vida das mulheres.
No ano 2000, em Mashhad, uma cidade no nordeste do Irã, próximo às fronteiras com o Afeganistão e o Turcomenistão, um assassino de prostitutas divide opiniões. A trama escrita por Abbasi, Afshin Kamran Bahrami e Jonas Wagner estrutura-se nessa contradição social. Enquanto o caso se desenrola, a repórter freelance Arezoo Rahimi tenta levar a público uma matéria que pode redefinir sua carreira, mas antes precisa superar barreiras cotidianas — inclusive a dificuldade em simplesmente garantir um quarto de hotel. Quando finalmente consegue autorização para subir, fica evidente que sua presença incomoda não apenas pela ousadia de investigar, mas também pelo modo como veste o hijab, revelando parte dos cabelos.
No dia seguinte, começa sua jornada kafkiana pelos departamentos de segurança da cidade. Zar Amir Ebrahimi domina a tela com sua presença magnética, enquanto Abbasi expõe, sem suavizar, a humilhação constante que sua protagonista enfrenta. Cada figura masculina em sua trajetória representa um obstáculo, em especial os policiais, de quem precisa se desvencilhar com firmeza. O olhar do cineasta é implacável ao retratar um sistema que, ao invés de proteger, perpetua o abuso.
Abbasi não economiza ao recriar os assassinatos cometidos por Saeed, interpretado por Mehdi Bajestani. Em sequências perturbadoras, ele atrai prostitutas para seu apartamento, um lar comum à primeira vista, mas que se torna cenário de execuções brutais. Utiliza o próprio hijab como instrumento de morte, um gesto carregado de simbolismo sobre o controle imposto pelo Estado. Na cena final, de gelar os ossos, fica claro que a herança da violência e da misoginia não apenas resiste, mas se perpetua de geração em geração no Irã.
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