Comédia excêntrica de Lanthimos, baseada em filosofia de Michel Foucault e John Stuart Mill, está na Netflix Divulgação / Protagonist Pictures

Comédia excêntrica de Lanthimos, baseada em filosofia de Michel Foucault e John Stuart Mill, está na Netflix

Em um futuro distópico e opressor, a solidão não é apenas desencorajada, mas severamente punida. “O Lagosta”, dirigido por Yorgos Lanthimos, constrói uma sátira sombria sobre uma sociedade que impõe a monogamia de maneira brutal. Colin Farrell interpreta David, um homem recém-abandonado que, como todos os solteiros, é enviado a um hotel onde tem 45 dias para encontrar um par romântico. Caso falhe, será transformado no animal de sua escolha e solto na natureza. Sua opção? Uma lagosta.

Nesse mundo rigidamente controlado, qualquer desvio resulta em punições impiedosas. Masturbação, por exemplo, é punida com tortura, como acontece com Robert (John C. Reilly), que tem a mão queimada em uma torradeira. As relações não são construídas com base no afeto, mas na necessidade de sobrevivência. Para escapar do destino imposto, hóspedes fingem compatibilidades absurdas. Se a farsa for descoberta, a penalidade é tão cruel quanto o próprio sistema. Além disso, são organizadas caçadas periódicas onde solteiros fugitivos são perseguidos na floresta e abatidos por aqueles ainda em busca de um parceiro, em um jogo sádico que premia a frieza e a violência.

A estética do filme amplifica a atmosfera opressiva. A fotografia adota tons frios e composições austeras, enquanto os personagens falam de maneira robótica, sem emoção, evidenciando a anulação da individualidade. Colin Farrell entrega uma atuação excepcional, transmitindo com sutileza o desconforto e a resignação de seu personagem. Ele ganhou peso para o papel, reforçando a vulnerabilidade de David, um homem comum, esmagado pela lógica desumana do sistema.

O controle sobre os indivíduos não se restringe ao hotel. Na floresta, um grupo de rebeldes se opõe ao regime, mas impõe suas próprias regras autoritárias: o amor e qualquer contato físico são estritamente proibidos. O que deveria ser um refúgio para os que rejeitam a ditadura do casamento se revela apenas outro tipo de opressão, ilustrando como a imposição de normas absolutas, de qualquer natureza, acaba por restringir a liberdade.

“O Lagosta” vai além de sua premissa insólita para fazer uma crítica mordaz às convenções sociais que pressionam os indivíduos a se adequarem a padrões relacionais artificiais. O filme sugere que a necessidade de pertencimento pode levar à submissão cega e que tanto a obrigatoriedade do relacionamento quanto a imposição da solidão resultam em sistemas igualmente coercitivos.

Lanthimos expõe a arbitrariedade dessas expectativas e nos obriga a refletir sobre como, mesmo em nossa realidade, há padrões internalizados que ditam o valor de alguém com base em seu status relacional. Satírico e provocador, “O Lagosta” nos deixa com um questionamento inquietante: será que somos realmente livres para escolher como queremos nos relacionar?

Filme: O Lagosta
Diretor: Yorgos Lanthimos
Ano: 2015
Gênero: Comédia/Drama/Ficção Científica
Avaliação: 9/10 1 1
★★★★★★★★★