A existência humana se desenha como um labirinto de desafios sucessivos, onde cada obstáculo superado apenas inaugura novos dilemas, testando nossa resiliência diante da instabilidade essencial da vida. Planos meticulosamente traçados são desmantelados sem aviso, valores que julgamos inabaláveis são violentamente subvertidos, e mesmo nossa identidade mais íntima pode ser desfigurada por forças que escapam ao nosso controle. O confronto constante com essa incerteza se revela, paradoxalmente, a essência da experiência humana: suportar a imprevisibilidade, persistir apesar da adversidade e, na luta contra a obscuridade, encontrar o motor da própria existência.
Esse embate entre caos e propósito, ilusão e realidade, é o cerne de “Inferno”, dirigido por Ron Howard. O longa se ancora na obsessão de Dan Brown pela interseção entre mistério, poder e conhecimento proibido, articulando um enredo em que as fronteiras entre salvação e ruína se tornam indistintas. Dez anos após “O Código Da Vinci” (2006), filme que transformou a polêmica literária em um fenômeno de bilheteria, Howard revisita a obra do autor para uma nova incursão em dilemas morais e conspirações globais. Diferente da prepotência intelectual que permeia outros capítulos da saga, “Inferno” aposta em um tom mais crítico, expondo a degradação provocada pela busca incessante por controle e domínio.
A trama se desenrola em um mundo à beira do colapso, onde a paranoia e a fragilidade humana são catalisadores de um apocalipse iminente. O roteiro de David Koepp, que colabora novamente com Howard após “Anjos e Demônios” (2009), apresenta uma análise mordaz do capitalismo e seus desdobramentos desastrosos. A história mergulha em um turbilhão de epidemias, manipulações e tragédias, onde a mão firme do diretor sustenta a tensão entre o delírio e a realidade. O efeito, por vezes, se aproxima do cômico involuntário, mas não sem acirrar o desconforto e a sensação de um mundo à deriva.
A solidez do elenco é crucial para manter a credibilidade desse thriller de grandes proporções. Tom Hanks, ainda que recentemente tenha expressado críticas ao legado da franquia, reafirma seu profissionalismo ao dar vida novamente a Robert Langdon. Seu comprometimento transcende o convencional, conferindo à trama uma âncora emocional e intelectual. O filme se inicia com uma cena grotesca protagonizada por Ben Foster como Bertrand Zobrist, um fanático cuja visão apocalíptica impulsiona os eventos. A narrativa, então, se reorganiza ao redor de Langdon, que emerge de um episódio de amnésia e se alia à médica Sienna Brooks, interpretada por Felicity Jones. A dinâmica entre os dois sustenta o fio condutor da história, explorando a intersecção entre ciência, ética e poder.
A presença de “A Divina Comédia” de Dante Alighieri, embora inserida de forma quase ornamental, confere um verniz erudito à produção. No entanto, a complexidade filosófica da obra é reduzida a um adereço narrativo, resvalando na superficialidade. Se “Inferno” se assumisse integralmente como um thriller de ação, sem tentativas de profundidade forçada, talvez encontrasse seu verdadeiro potencial. Ainda assim, o filme entrega um espetáculo eficiente, sustentado por sua atmosfera opressiva e pela destreza técnica de Howard. Se o inferno é o preço da ambição desmedida, este longa, ao menos, transforma o caos em entretenimento.
★★★★★★★★★★