Talvez esteja próximo o dia em que teremos o grande privilégio de dispor de órgãos que se dedicam integralmente ao nosso bem-estar, resolvendo por nós o que devemos ou não fazer em determinadas situações, e, em surgindo qualquer chance de ser feito refém de pensamentos inadequados, nosso salvador se encarrega de tornar o cenário outra vez límpido, sereno, antes mesmo que possamos nos dar conta. Lutar contra inimigos, reais ou imaginários, é uma constante na história americana. Em assim sendo, leva-se algum tempo até que se tenha “A Ordem” como uma trama razoável — e o fato de pertencer à absurda crônica policial dos Estados Unidos ajuda bastante nisso.
A sincera crença no direito à liberdade individual é o combustível do filme de Justin Kurzel, que recorre a um acontecimento verídico para fazer algumas observações acerca da política de combate ao terrorismo adotada por governos dos mais distintos matizes ideológicos, todos até então alheios a uma ameaça invisível e com vasto poder destrutivo. Ao longo da primeira metade da década de 1980, organismos que pregavam uma revolução supremacista branca contra os Estados Unidos ganharam força, e entre esses a Ordem era o mais nefasto. Baseado em “The Silent Brotherhood: Inside America’s Racist Underground” (“a irmandade silenciosa: por dentro do submundo racista da América”, em tradução literal; 1989), o livro-reportagem de Kevin Flynn e Gary Gerhardt, o roteiro de Zach Baylin chega bem perto de uma reconstituição fidedigna daqueles obscuros tempos, partindo de um assassinato covarde.
Em 1983, o radialista judeu Alan Berg (1934-1984) incendeia o Colorado ao contestar ouvintes antissemitas em seu programa. Na abertura, dois homens num carro escutam a transmissão e praguejam, desejando que Berg fosse morto. Aos poucos, Kurzel deixa claro que deseja trabalhar no fio da navalha, abusando das tomadas escuras que a fotografia de Adam Arkapaw faz ainda mais mórbidas com tons de preto e azul profundo. Algum tempo depois, Terry Husk, um pouco convencional agente do FBI, chega a Coeur D’Alene, em Idaho, noroeste dos Estados Unidos, para averiguar um desaparecimento, e então vai se formando uma conexão entre esta ocorrência e uma onda de assaltos a bancos com uso de explosivos, e não por acaso, a apenas alguns quilômetros dali funciona uma seção da Ordem, que Husk pretende desbaratar com a ajuda de seu adjunto Jamie Bowen.
Do outro lado, gente como Robert Jay Mathews (1953-1984) procura um lugar ao sol movido menos por convicção que ganância, e adere às ações extremistas do grupo — o que faz dele um psicopata incomparavelmente nocivo —, e o filme equilibra-se nas tramas desses três homens, com Jude Law e Tye Sheridan nos papéis de anti-herói e herói, reservando para Nicholas Hoult a composição mais difícil e mais refinada. Hoult parece estar se especializando em tipos moralmente ambíguos, malgrado aqui haja muito menos margem para tergiversações que em “Jurado Nº2” (2024), a mais recente obra de Clint Eastwood. Ninguém se arrisca a dizer quem há de levar a melhor no final, exatamente como acontece agora, quarenta anos depois da morte brutal de Matthews e da condenação dos outros membros da Ordem.