O filme brasileiro na Netflix que fica melhor cada vez que você assiste de novo Divulgação / Copacabana Filmes

O filme brasileiro na Netflix que fica melhor cada vez que você assiste de novo

Getúlio Vargas (1882-1954) ocupa um dos lugares mais controversos na história política brasileira. Oriundo de São Borja, no Rio Grande do Sul, deixou seu estado aos 41 anos, em 1923, alimentando a ambição de chegar à Presidência da República, cargo que ocupou por duas vezes. Sua figura permanece envolta em lendas que, apesar do desgaste do tempo, ressurgem sempre que o Brasil revisita seu passado autoritário e os desafios democráticos contemporâneos.

“Getúlio”, dirigido por João Jardim, foge da tentação de construir uma narrativa apologética e se firma como um relato embasado e criterioso sobre os últimos dias do ex-presidente. Diferente de outras cinebiografias carregadas de viés ideológico, o filme adota um olhar analítico, privilegiando o rigor jornalístico. Jardim, experiente documentarista, conduz a trama com uma combinação de técnica apurada e abordagem sensível, evitando qualquer tendência à hagiografia.

O longa não pretende ser um retrato biográfico abrangente, mas sim um recorte dos dezenove dias que antecederam o suicídio de Vargas em agosto de 1954. O roteiro de George Moura e Teresa Frota destaca o isolamento do presidente no Palácio do Catete, encurralado por uma crise política de solução improvável. Sua permanência no poder se tornava insustentável diante das pressões crescentes, ecoando o autoritarismo que marcou sua trajetória. Em um flashback que permeia toda a narrativa, o filme revisita a Revolução de 1930, quando Vargas ascendeu ao poder depôndo Washington Luís e impedindo a posse de Júlio Prestes. Seu governo refletia a própria identidade do país: uma nação em busca de institucionalidade, mas refém do fisiologismo.

O retorno de Vargas à política após ser afastado pelo presidente interino José Linhares em 1945 ilustra sua resiliência. Eleito senador pelo Rio Grande do Sul, aguardou o momento propício para regressar ao Catete, reassumindo o cargo em 1951, desta vez por via eleitoral. Seu segundo mandato, porém, seria abreviado por uma sucessão de eventos que culminariam em sua morte.

A narrativa do filme enfatiza a tensão crescente que levou ao desfecho trágico. O atentado na rua Tonelero contra o jornalista Carlos Lacerda, em que o major Rubens Vaz foi morto, desencadeou uma crise irreversível. O inquérito policial apontou Gregório Fortunato, chefe da guarda pessoal de Vargas, como mandante, possivelmente agindo sob influência de Benjamin Vargas. Enquanto Fortunato foi condenado, outros nomes envolvidos saíram ilesos, reforçando a nebulosidade que cercou o episódio. Com a pressão política atingindo o auge, Vargas, sem saída, optou pelo suicídio, encerrando abruptamente seu ciclo político.

A interpretação de Tony Ramos, embora competente, falha em capturar plenamente as complexidades emocionais de Vargas. Seu sotaque errático compromete a verossimilhança da atuação, e a intensidade exigida em momentos cruciais nem sempre é atingida. Por outro lado, Drica Moraes brilha no papel de Alzira Vargas, transmitindo com profundidade a devoção incondicional da filha ao pai. Sua presença em cena adiciona camadas de complexidade ao drama familiar que permeia o filme. Daniel Dantas e Cláudio Tovar, apesar de participações breves, contribuem para a coesão do elenco.

O filme de João Jardim não se limita a reconstruir os fatos: ele os contextualiza, ressaltando a força dos bastidores políticos e as engrenagens do poder que definiram o destino de Vargas. Seu suicídio não apenas encerrou uma era, mas antecipou as turbulências que culminariam no golpe militar de 1964, selando o destino do Brasil por duas décadas. “Getúlio” é, assim, uma reflexão incisiva sobre um líder controverso e um país perpetuamente em crise.

Filme: Getúlio
Diretor: João Jardim
Ano: 2014
Gênero: Biografia/Drama
Avaliação: 9/10 1 1
★★★★★★★★★