Nem mesmo os mortos encontram sossego em Comala. Esse povoado esquecido no interior de Colima, a oeste do México, serve de prisão para almas incapazes de atravessar para o além, condenadas a ecoar as dores de um tempo marcado pela devastação e pela memória irredutível. A adaptação de Rodrigo Prieto para o romance “Pedro Páramo”, publicado por Juan Rulfo em 1955, dá vida às imagens espectrais concebidas pelo escritor, cuja influência se estendeu a gigantes como Gabriel García Márquez e Mario Vargas Llosa. São histórias impregnadas de lendas e de uma brutalidade que a própria existência se encarregou de tornar incontestável.
O único romance de Rulfo, celebrado por suas narrativas curtas, carrega um lirismo seco que Mateo Gil preserva no roteiro, tornando os diálogos rarefeitos, quase murmúrios densos que circulam em torno da morte, da paixão, da herança, da violência e do desejo, sempre encobertos por uma névoa de mistério. Prieto e Gil capturam essa melancolia rulfiana, traduzindo-a em um cinema que se apoia no não dito, na sugestão e na imagem, deixando que o silêncio carregue o peso das palavras que jamais chegam a ser pronunciadas.
Viver entre outros exige, entre muitas artimanhas, a capacidade de projetar uma aura de mistério, uma qualidade enigmática que nos torne visíveis sem recorrer à obviedade. Essa presença sutil, que parece se impor sem esforço, é o que distingue aqueles que deixam sua marca nos dois mundos — o dos vivos e o dos que já passaram. Há, em “Pedro Páramo”, esse jogo entre aparência e substância, entre o que se exibe e o que se oculta, pois os que se vão nem sempre desaparecem por completo, e os que ficam muitas vezes não passam de espectros vagando entre ruínas.
Cumprindo a promessa feita à mãe agonizante, Juan Preciado regressa a Comala para encontrar o pai, Pedro Páramo, um homem moldado pela ambição e pela violência, que acumulou riqueza explorando os que dependiam de sua vontade e impondo sua própria justiça. Sua avidez não conhecia limites, e Juan, ao menos nisso, carrega algo do sangue paterno, recusando-se a desistir de sua busca até alcançar um vilarejo que se revelou menos cidade e mais cemitério. Ali, nem os espíritos parecem querer permanecer. Em quase todas as cenas, Tenoch Huerta assume o peso do longa, oscilando entre a resignação e o desejo de enfrentar o inferno para ajustar as contas. A versão cinematográfica de “Pedro Páramo” reafirma a força inescapável do realismo mágico de Rulfo, provando que sua literatura continua tão cortante quanto antes.
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