Escapando de seus próprios sentimentos, um homem constrói armadilhas que o aprisionam nos corredores labirínticos de sua memória. O tempo e o espaço, meras abstrações, nos oferecem a ilusão de ordem: uma tentativa de situar o que já ocorreu, prever o que virá e compreender onde estamos nesse contínuo incerto. Em 1905, Albert Einstein (1879-1955) desafiou essa percepção com a teoria da relatividade, demonstrando que o tempo não é fixo, mas maleável, pois as leis da física permanecem invariáveis em qualquer referencial inercial. A velocidade da luz, por outro lado, segue seu próprio ritmo, imune à interferência de quem a emite ou recebe, mantendo sua frequência constante em qualquer sistema inercial de origem.
Em “Durante a Tormenta“ (2018), Oriol Paulo toma os fundamentos da física de Einstein e os entrelaça em uma trama de ficção científica com grande apelo narrativo. A história se desenrola entre 1989 e 2014, conectadas por uma tempestade que altera o fluxo temporal. O primeiro ano é crucial não apenas para a trama, mas para a história mundial: a queda do Muro de Berlim, em 9 de novembro, marca o fim simbólico do século 20, como argumenta o historiador britânico Eric Hobsbawm (1917-2012). Há uma interseção curiosa entre Einstein e Hobsbawm — ambos judeus obrigados a deixar a Europa pelo avanço do nazismo em 1933, ano em que Adolf Hitler (1889-1945) assume o poder na Alemanha e encerra a República de Weimar (1919-1933), instaurando o Terceiro Reich (1933-1945), cujo delírio de mil anos de duração se esgotou em doze. Para Hobsbawm, a queda do Muro simboliza não apenas o colapso do bloco soviético, mas a transição definitiva para um mundo moldado pelas regras do capitalismo globalizado.
O impacto visual da derrubada do Muro de Berlim ressoa até hoje, e Oriol Paulo usa esse evento para situar o espectador na trama. Nico, um garoto, toca guitarra enquanto grava tudo em uma filmadora VHS, alheio à tempestade furiosa que rasga os céus. O que parecia uma noite comum se transforma em tragédia quando ele testemunha um assassinato em uma casa vizinha. O desespero o faz correr, mas seu destino é interrompido por um acidente fatal.
Vinte e cinco anos depois, em uma noite de tempestade semelhante, Vera, David e a filha do casal, Gloria, se mudam para a casa que pertenceu a Nico. Entre objetos antigos, Vera encontra a filmadora e um monitor de TV desatualizado. Por uma brecha na lógica temporal, consegue interagir com o passado e alerta Nico sobre sua morte iminente. O aviso impede o trágico acidente, mas essa interferência desestabiliza sua própria realidade. Ao acordar, Vera percebe que não é mais enfermeira, mas neurocirurgiã; David está casado com outra mulher e sua filha nunca existiu. A consequência desse desajuste no tempo é o colapso de sua própria identidade.
A trama se desenrola como um efeito borboleta, em que uma ação gera desdobramentos imprevisíveis. Perdida em uma vida que não reconhece, Vera precisa reencontrar Nico, agora adulto, e recuperar os equipamentos que criaram a fenda temporal. Sua luta não é apenas contra o tempo, mas contra a descrença dos que a cercam, já que sua nova realidade não possui vestígios do que antes conhecia. A jornada, por mais fantástica que pareça, ressoa profundamente no espectador, que se vê envolvido na angústia de uma existência apagada.
Oriol Paulo conduz a narrativa como um jogo de manipulação com o público, torcendo os acontecimentos conforme deseja. Em “Durante a Tormenta”, ele reafirma sua fascinação pelo tempo como elemento narrativo, assim como em “Um Contratempo” (2016), e reflete sobre o quanto somos reféns dessa força invisível. O homem se submete ao tempo, mas raramente obtém algo em troca. O tempo governa tudo, e poucos conseguem driblá-lo. No melhor dos cenários, oferece sabedoria; no pior, apenas a certeza de que passou. Há aqueles que tentam compreendê-lo, outros que acreditam domesticá-lo, mas a maioria apenas sobrevive sem perceber que cada segundo perdido jamais será recuperado.
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