Inspirado no poema medieval sobre Sir Gauvain e o Cavaleiro Verde, do final do século XIV, o longa dirigido por David Lowery e produzido pela A24 é uma experiência cinematográfica que exige do espectador mais do que atenção: pede envolvimento. Longe da convencional aventura épica, a obra se desenrola como uma alegoria visualmente hipnótica, pontuada por simbolismos e uma cadência narrativa que desafia as expectativas. Seu ritmo deliberado e sua estrutura contemplativa podem desorientar quem busca um entretenimento convencional, mas cativam aqueles dispostos a se perder na atmosfera enigmática.
Na corte do Rei Arthur (Sean Harris), durante uma celebração natalina, o jovem Gauvain (Dev Patel), sobrinho do monarca, deseja provar seu valor. Criado à margem da cavalaria, ele se vê diante de uma chance única quando o misterioso Cavaleiro Verde (Ralph Ineson) adentra o salão e propõe um desafio peculiar: qualquer um que o ferir ou matá-lo poderá ficar com seu machado, mas deverá, um ano depois, receber o mesmo golpe em retribuição. Movido pelo desejo de glória, Gauvain decapita o oponente — apenas para vê-lo erguer-se, tomar sua própria cabeça e partir, lembrando-o do compromisso selado.
A promessa transforma-se em um fardo. Durante um ano, Gauvain goza da fama recém-adquirida, mas à medida que o próximo Natal se aproxima, a realidade do pacto se impõe. Ele parte rumo à Capela Verde, onde seu destino o aguarda, embarcando em uma jornada repleta de provações físicas e espirituais. No caminho, cruza com personagens enigmáticos — de espectros a criaturas falantes — e enfrenta dilemas morais que testam os preceitos da cavalaria. Cada obstáculo o confronta com sua própria humanidade, revelando um herói longe da infalibilidade.
A simbologia do pentagrama em seu escudo representa os cinco pilares da virtude cavaleiresca: amizade, generosidade, castidade, cortesia e piedade. No entanto, a trajetória de Gauvain gradualmente desconstrói essas virtudes. O ápice dessa desintegração ocorre quando se hospeda na propriedade de Sir Bertilak (Joel Edgerton). O anfitrião propõe um jogo: tudo o que for conquistado por um, será compartilhado com o outro. Enquanto Bertilak cumpre sua palavra, Gauvain, seduzido pela esposa do nobre, sucumbe à tentação. Ela lhe entrega um cinto mágico que promete protegê-lo de qualquer ferida. Ao não repassar o presente ao anfitrião, o jovem quebra sua promessa, comprometendo sua honra.
Quando finalmente alcança a Capela Verde para cumprir seu compromisso, Gauvain já não é mais o cavaleiro idealizado que imaginava ser. A jornada revelou sua fragilidade, seus medos e seu apego à vida. O verdadeiro jogo nunca foi físico, mas sim uma provação interna, uma desconstrução da bravura romântica em prol de algo muito mais humano: a aceitação da própria imperfeição.
O papel não poderia ter sido melhor interpretado por Dev Patel, cuja presença magnética captura tanto a insegurança quanto a intensidade de Gauvain. Com cabelos desordenados e um olhar carregado de anseios e dúvidas, ele incorpora a vulnerabilidade do protagonista com uma entrega impressionante. A direção de David Lowery, sempre flertando com a temática da mortalidade, reforça essa leitura, ampliando a obra para além da aventura medieval e transformando-a em uma reflexão sobre destino e identidade.
O resultado é um filme que ultrapassa os limites do gênero e provoca o espectador a enxergar além das aparências. Uma experiência sensorial e simbólica, disponível no Amazon Prime Video.
★★★★★★★★★★
