O filme que marcou uma década e que todo mundo deveria ver ao menos duas vezes na vida está deixando a Netflix Divulgação / Columbia Pictures

O filme que marcou uma década e que todo mundo deveria ver ao menos duas vezes na vida está deixando a Netflix

A infância, com suas promessas de transformação, serve como território fértil para reflexões sobre a passagem do tempo. Em “Conta Comigo”, Rob Reiner conduz o espectador por um percurso de descobertas e desafios enfrentados por quatro meninos, equilibrando momentos de serenidade e turbulência sem ceder ao simplismo. 

O diretor se vale da familiaridade que temos com aqueles personagens para nos envolver gradualmente, permitindo que suas figuras se tornem tão próximas a ponto de nos reconhecermos nelas. O filme alcança essa identificação ao tocar em memórias universais, libertando o coração das amarras do medo e permitindo que ele se mova sem o peso da experiência.

A adaptação de Bruce A. Evans e Raynold Gideon para “O Corpo”, conto presente na coletânea “Quatro Estações” (1982) de Stephen King, preserva a essência do suspense característico do autor, mas o utiliza pontualmente. Em vez disso, Reiner se concentra em uma narrativa fluida, na qual eventos paralelos se entrelaçam organicamente à trama principal, como os relatos fantasiosos e vibrantes das crianças. A estrutura do filme se ancora em um flashback que revela o trágico fim de Christopher Chambers, morto ao tentar apartar uma briga. 

A princípio, essa informação parece distanciada da jornada dos garotos, mas à medida que o enredo avança, sua conexão com a história se torna evidente, sendo habilmente incorporada ao desfecho. Enquanto isso, Gordie Lachance, vivido por Wil Wheaton, emerge de um papel secundário para assumir protagonismo como narrador. Sua trajetória reflete um claro alter ego de King: um jovem introspectivo e marginalizado, marcado pela rejeição paterna e pela busca de refúgio na escrita. 

O vínculo com seu falecido irmão Denny (John Cusack) se apresenta como um dos poucos pilares de sustentação emocional diante da indiferença familiar. No verão de 1959, quando Gordie tem entre doze e treze anos, um rumor sobre o cadáver de um jovem desaparecido, Ray Brower, se espalha por sua cidade, uma Portland ainda mais isolada que a atual. A busca pelo corpo se torna um marco na vida desses garotos, um rito de passagem mascarado de aventura.

O filme ganha sua real força após a icônica sequência dos trilhos sobre o rio Willamette, onde Chris (River Phoenix), Gordie, Vern (Jerry O’Connell) e Teddy (Corey Feldman) têm um encontro iminente com a morte, escapando por pouco de um desastre. Essa passagem simboliza de maneira incisiva a fragilidade da juventude e a proximidade entre vida e morte. 

Reiner aproveita as metáforas ricas de King — crianças que flertam com o perigo enquanto tentam compreendê-lo, amizades intensas que servem de âncora emocional e o simbolismo dos trilhos como representação do destino e da inevitável caminhada rumo ao futuro. Contudo, a conclusão do filme desnuda a verdade sobre Ray Brower e o que seu fim representa para os garotos. Gordie, por sua vez, já havia deixado claro seu entendimento sobre si mesmo, sua família e as marcas irreversíveis da perda.

“Conta Comigo” transcende a nostalgia para se tornar um retrato impactante das dores e transformações do amadurecimento. Antes mesmo de enfrentarmos os desafios da vida adulta, somos confrontados por mudanças que moldam nossa identidade. Todos carregamos um pouco de Gordie Lachance dentro de nós, até que chega o momento em que o escritor oculto em nossa essência clama por sua voz. E essa é a hora de crescer.

Filme: Conta Comigo
Diretor: Bob Reiner
Ano: 1986
Gênero: Aventura/Drama
Avaliação: 9/10 1 1
★★★★★★★★★