O verdor do existir chega-nos como um ajuntamento de autocobranças, satisfações que achamos que devemos ao universo — quando o universo não faz a menor ideia de quem somos, e não tem nenhuma pretensão de fazê-lo —, dilemas existenciais quase sempre profundos como um balde e dúvidas quanto ao que reserva-nos o futuro, essas, sim, preocupantes. Receamos ser pegos pelos tantos inesperados da vida sem que ainda estejamos prontos, o que, como todos sabemos os que já passaram de determinada idade, sói acontecer com uma frequência meio enjoativa.
Se até os anos 1960 ver uma mulher dona de seu próprio corpo era como deparar-se com um marciano típico, verde e com antenas brilhantes, hoje não há nada mais corriqueiro que verificar que por trás de pares de sapatos de salto alto, batom e terninhos de grife há autênticas guerreiras da selva de pedra, ávidas por poder e gozo. Há luxúria, mas sobretudo há muita melancolia em “Boa Sorte, Leo Grande”, uma crônica mordaz sobre as carências de senhoras de sessenta e tantos, meio perdidas depois de aposentadoria, da viuvez e da partida dos filhos rumo a sua própria vida. Sophie Hyde junta todas essas impressões e as despeja sobre Susan Robinson que, de tão cheia de falsos pruridos moralistas, encontra-se com um jovem profissional do sexo sob outra identidade.
A sociedade contemporânea compra quase tudo — beleza, sucesso, fama, amor verdadeiro —, mas nem o cirurgião plástico mais talentoso consegue tirar vinte, trinta, quarenta anos da cara de alguém sem ou mutilar o infeliz ou dar-lhe uma nova identidade, perceptível pela incapacidade de mover certos músculos do rosto, por lábios inflados como a natureza nunca pudera fazer ou narizes minúsculos, sem ossos. E então tem-se um quadro muito pior que o de antes. Chegar à meia-idade, à velhice ou mesmo morrer não é o problema; a questão é de que forma e em que circunstâncias isso acontece. Ter de confessar para si próprio que se atingiu determinada etapa da vida sem que o passar dos anos tenha se traduzido em sucesso profissional, relacionamentos íntimos estáveis, sólidos, alguma tranquilidade a fim de encarar os outros desafios que vão se acumular pela jornada afora e, o principal aqui, a certeza de que não ficou nenhuma experiência por ser desfrutada, é que constitui a grande aflição de não ser mais jovem.
Nancy Stokes reserva um quarto de hotel para o encontro fortuito com o tal Leo Grande do título, um homem três décadas mais novo, e ao longo dos 97 minutos do filme, percebe-se a vontade de uma e outro quanto a agradar ao parceiro, até que as naturais diferenças impõem-se. O texto de Katy Brand oscila entre o melodramático e o realista, colocando na boca de Emma Thompson e Daryl McCormack frases que pessoas naquela situação certamente diriam — malgrado o inabalável profissionalismo do rapaz assuste às vezes. Tudo corre como o esperado, sem pedidos de casamento ou mortes no desfecho, igualzinho deve acontecer entre gente civilizada em suas relações mais impublicáveis. Num papel corajoso, Thompson corrobora a sensação de que o filme é mesmo seu na cena final. Seios flácidos não podem ser a razão da infelicidade de ninguém.
★★★★★★★★★★