Às vezes, a melhor experiência cinematográfica surge da escolha inesperada de um título desconhecido. “O Alfaiate”, dirigido por Graham Moore e lançado em 2022, encaixa-se perfeitamente nesse caso. A narrativa entrelaça drama, mistério e crime organizado, conduzindo o espectador por uma trama engenhosa, sustentada por atuações imersivas. No papel central, Mark Rylance entrega uma performance minuciosa como Leonard, um alfaiate britânico que construiu sua reputação em Chicago. Ambientado nos anos 1950, o enredo avança com reviravoltas calculadas, evocando o estilo tenso e imprevisível de cineastas como Quentin Tarantino.
Vencedor do Oscar pelo roteiro de “O Jogo da Imitação”, Moore reafirma sua capacidade narrativa com um texto afiado e um filme conduzido com rigor. Rylance, discreto e meticuloso, compõe Leonard com uma elegância reservada, explorando cada gesto com precisão. O passado nebuloso do alfaiate se revela aos poucos, entre alusões à guerra e comentários enigmáticos sobre sua saída da Inglaterra. Seu talento para moldar ternos o tornou o favorito da elite de Chicago, incluindo figuras proeminentes do crime, como Roy Boyle (Simon Russell Beale). No ateliê, conta com a eficiência da assistente Mable (Zoey Deutch), que conhece cada detalhe de seu método, antecipando suas necessidades com precisão.
Para Leonard, a alfaiataria vai além da simples confecção de roupas; é um trabalho de observação e adaptação. Os ternos precisam refletir não apenas o porte, mas também a personalidade de quem os veste. No entanto, sua rotina disciplinada entra em risco ao ser envolvido nas intrigas da máfia local. A clientela perigosa transforma sua loja em um ponto estratégico para negócios obscuros, e sua posição aparentemente neutra se torna insustentável. Ele observa os gângsteres com atenção cirúrgica, compreendendo seus padrões e fragilidades com a paciência de quem trabalha cada detalhe do tecido.
A inteligência de Leonard é um dos pilares da história. Apesar de sua aparência inofensiva, ele opera como um jogador de xadrez, sempre alguns lances à frente. Entre seus clientes mais problemáticos está Richie (Dylan O’Brien), cuja presença atrai a atenção de Mable e que raramente se afasta de seu aliado Francis (Johnny Flynn). A descoberta de um dispositivo de escuta nos fundos da loja gera desconfiança e paranoia, arrastando Leonard e sua assistente para um jogo de traições e lealdades duvidosas. A tensão cresce a cada cena, fazendo com que a alfaiataria se torne um palco de perigos imprevisíveis.
A trama avança com uma série de revelações inesperadas, desconstruindo gradualmente as aparências dos personagens. Leonard, enigmático e metódico, esconde muito mais do que transparece, enquanto Mable, por trás de sua simpatia juvenil, revela uma determinação surpreendente. O ambiente fechado da alfaiataria contribui para a sensação de claustrofobia e urgência, prendendo o espectador em uma atmosfera densa e intrigante. Cada detalhe — um olhar hesitante, uma pausa calculada — adiciona camadas à história, reforçando a sensação de que há sempre algo oculto prestes a ser desvendado.
Moore demonstra um controle absoluto sobre o ritmo e a construção da narrativa. O elenco de apoio, especialmente Deutch e Beale, complementa a performance central com nuances que aprofundam as relações entre os personagens. “O Alfaiate” não se contenta em ser apenas um suspense bem elaborado; ele se desenrola como um estudo minucioso de manipulação e estratégia. A forma como Leonard administra sua posição, navegando por entre as ameaças sem nunca perder o controle, transforma a história em um fascinante jogo psicológico.
A produção recria os anos 1950 com atenção aos detalhes, desde a paleta de cores até os figurinos impecavelmente alinhados à época. A estética reflete o tom do filme, reforçando a imersão na trama e destacando a importância da alfaiataria como símbolo de poder e identidade. Em vez de recorrer a clichês típicos do gênero, Moore trabalha com uma abordagem mais refinada, onde cada escolha visual e narrativa serve para construir tensão e complexidade.
Mais do que um thriller envolvente, “O Alfaiate” é uma demonstração da força do roteiro e da atuação em um cinema de sutilezas. Leonard, sempre meticuloso, conduz sua própria narrativa com a mesma precisão com que corta tecidos, tornando-se uma figura inesquecível no cenário dos thrillers contemporâneos. Com um roteiro que recompensa a atenção aos detalhes e um desfecho que surpreende sem parecer arbitrário, o filme se estabelece como uma obra instigante, que prende o público e o desafia a enxergar além do que é mostrado.
★★★★★★★★★★