Lançado em agosto de 1938, “Rebecca — A Mulher Inesquecível” rapidamente se tornou um fenômeno literário. A trama de Daphne Du Maurier, centrada em uma jovem recém-casada que se vê aprisionada pela memória obsessiva da falecida esposa de seu marido, parecia predestinada a alcançar sucesso também no cinema. O impacto do romance foi amplificado quando Alfred Hitchcock, em 1940, transpôs sua atmosfera densa para as telas, conduzido por um elenco que incluía Joan Fontaine, Laurence Olivier e Judith Anderson, elementos-chave para um suspense psicológico que ressoa até hoje.
O mesmo ano da publicação do livro marcou outra adaptação, desta vez no rádio, sob a direção do visionário Orson Welles, cuja versão para o Mercury Theatre consolidou o status da obra como um marco narrativo. Mais de oito décadas depois, Ben Wheatley encarou o desafio de reimaginar “Rebecca” para uma nova geração, assumindo uma responsabilidade dupla: honrar o legado da história e conferir-lhe relevância contemporânea.
O trio de roteiristas Anna Waterhouse, Jane Goldman e Joe Shrapnel manteve-se fiel ao espírito da obra original, destacando as intricadas camadas psicológicas do enredo. A abertura emblemática, que atribui um caráter quase sobrenatural a Manderley, o palacete assombrado pela presença invisível de Rebecca, continua sendo um pilar da narrativa. A trama se desloca então para Monte Carlo, onde uma jovem de origem humilde trabalha para uma patroa dominadora.
Ao ambientar a história na Europa de 1935, a adaptação tangencia, ainda que superficialmente, o contexto social da época, marcado pelos resquícios da Grande Depressão e a iminência da Segunda Guerra Mundial. A personagem da senhora Van Hopper, interpretada por Ann Dowd, encarna essa desconexão entre a elite fútil e uma sociedade à beira da convulsão, enquanto o luxo dos salões dourados de Manderley contrasta com a precariedade da protagonista. A trilha sonora de Clint Mansell, apesar de seu requinte, falha ao suavizar em demasia a angústia latente no desfecho.
Armie Hammer dá vida a Maxim de Winter, um aristocrata atormentado pelo espectro de sua primeira esposa. Sua relação com a nova senhora De Winter evolui de um idílio romântico para uma convivência permeada por mistério e desejo contido. O filme opta por enfatizar a tensão sexual e a transformação da protagonista, interpretada por Lily James, que busca nuances inéditas para a personagem. Diferente da versão literária, onde sua ingenuidade e insegurança são essenciais à trama, aqui sua evolução é mais acentuada, o que pode diluir parte do conflito central.
A interpretação de Kristin Scott Thomas como a enigmática senhora Danvers é um dos pontos altos da adaptação. Sua presença austera e fria sugere uma devoção que transcende o profissional, insinuando uma ligação profunda e possivelmente ambígua com Rebecca. Assim como Judith Anderson no clássico de Hitchcock, Thomas consegue tornar a governanta um ícone de mistério e obsessão.
Se há algo que a nova versão mantém intacto, é a atmosfera de inquietação que permeia a narrativa. Os delírios da protagonista, suas alucinações e a sensação de que Rebecca permanece onipresente dão ao filme sua força maior. Embora alguns elementos modernizados possam atenuar a carga psicológica original, “Rebecca — A Mulher Inesquecível” preserva seu status como um romance gótico cuja essência de tragédia e desejo continua a fascinar.
★★★★★★★★★★