Superprodução épica da Netflix que custou mais que “Coração Valente” e é um segredo que poucos desvendaram no catálogo Divulgação / Tariq Sheikh

Superprodução épica da Netflix que custou mais que “Coração Valente” e é um segredo que poucos desvendaram no catálogo

David Mackenzie constrói em “Legítimo Rei” um drama histórico que combina grandeza visual com intensidade dramática. O rigor estético da obra se reflete em planos aéreos que revelam a imensidão das paisagens escocesas, ao mesmo tempo sublimes e hostis. O figurino meticulosamente elaborado, fiel à indumentária medieval, e a precisão das coreografias de combate elevam o realismo a um patamar raro no gênero. Com isso, a luta de Roberto I pela independência da Escócia transcende a condição de evento histórico e se converte em uma narrativa atemporal sobre ambição, justiça e os dilemas do poder.

Chris Pine interpreta Roberto I com uma presença imponente, oscilando entre a autoridade calculista de um estratégico comandante e a vulnerabilidade de um homem que carrega nos ombros o destino de uma nação. Seu desempenho transmite as nuances de um líder disposto a pagar qualquer preço por sua terra, sem perder de vista os laços humanos que o conectam à sua missão. A Escócia retratada por Mackenzie é um tabuleiro de alianças instáveis e traições latentes, onde o ressentimento fermenta sob a superfície. O filme captura a transformação de um povo fragmentado em uma força coesa, movida pelo desejo de autodeterminação.

A dinâmica entre Roberto I e Edward I, vivido por Billy Howle, estabelece um embate que transcende o campo de batalha. As armas não são apenas espadas, mas também estratégias e ambiguidades morais. Ambos os personagens transitam entre heroísmo e crueldade, forçando o espectador a questionar a própria definição de virtude. O roteiro, escrito por Mackenzie em colaboração com outros quatro roteiristas, constrói um painel de relações de poder onde o certo e o errado raramente são absolutos.

As sequências de batalhas são encenadas com brutalidade cirúrgica, equilibrando realismo e técnica. No entanto, o verdadeiro confronto se desenrola fora do campo de batalha. Mais do que uma disputa por território, a luta de Roberto I é uma reivindicação de identidade e soberania, temas que ressoam para além da Idade Média. Mackenzie traça paralelos sutis entre o contexto medieval e os jogos de poder contemporâneos, expondo a natureza cíclica da história. Florence Pugh, no papel de Elizabeth de Burgh, imprime profundidade à figura de uma mulher cujos sonhos são esmagados pelo conflito. Sua atuação, embora econômica em tempo de tela, adiciona camadas ao drama, evidenciando os custos pessoais do poder. A captura de Elizabeth intensifica a jornada de Roberto I, tornando sua luta não apenas um desafio político, mas um ato de redenção pessoal.

O desfecho da narrativa conduz a uma reflexão amarga sobre o ciclo interminável de ascensões e quedas políticas. Ainda que Roberto I conquiste sua vitória, a Escócia continua imersa em instabilidades que persistem por gerações. A ascensão de Jaime VI ao trono inglês, três séculos depois, emerge como uma irônica confirmação da circularidade do poder.

Giuseppe Tomasi di Lampedusa escreveu que “é preciso que tudo mude para que tudo continue como está”. Em “Legítimo Rei”, essa reflexão encontra eco, demonstrando como as dinastias mudam, mas os desafios do poder permanecem. Mackenzie não entrega apenas um relato histórico, mas um lembrete contundente de que as disputas do passado seguem definindo o presente.

Filme: Legítimo Rei
Diretor: David Mackenzie
Ano: 2018
Gênero: Ação/Drama
Avaliação: 9/10 1 1
★★★★★★★★★