Ao longo das décadas, a figura do criminoso que desafia as instituições e constrói seu próprio império tem cativado plateias ao redor do mundo, evocando tanto temor quanto admiração. A trilogia “O Poderoso Chefão” (1972-1990), de Francis Ford Coppola, talvez seja o exemplo mais emblemático dessa narrativa, acompanhando a trajetória de um líder mafioso que, além de sua extensa rede de capangas, estende sua influência a esferas inimagináveis do poder.
Com “Bogotá: Cidade dos Perdidos”, Kim Seong-je ergue sua própria versão desse arquétipo, mas sem o brilho e a sofisticação do universo concebido por Mario Puzo (1920-1999). Em vez disso, entrega uma saga densa e desiludida, ancorada na trajetória de um protagonista que ascende em um ambiente onde cada passo é um pacto com a escuridão. Unindo a pulsante energia do cinema sul-coreano à atmosfera visceral da Colômbia, Kim constrói uma narrativa robusta e imprevisível, capaz de envolver até os espectadores mais céticos.
A Coreia conviveu com um histórico de instabilidade permanente, intensificado em 1950 com o início da Guerra da Coreia, um embate que se estendeu por três anos até um armistício interromper as hostilidades sem um vencedor declarado. No entanto, a supremacia econômica e cultural da Coreia do Sul sobre sua vizinha ao norte se consolidou com o passar das décadas. Ainda assim, em 1997, o país sofreu os impactos de uma grave crise financeira, quando a volatilidade cambial levou ao empobrecimento abrupto da população.
Muitos enfrentaram o colapso com estoicismo ou dependeram de auxílios governamentais. Outros, mergulhados no desespero e na vergonha, optaram pelo suicídio. Já aqueles que buscavam um recomeço partiram para o exterior. A família de Kook-hee desembarca na capital colombiana nesse contexto, e logo percebe a dureza da nova realidade. A cena em que um motoqueiro os assalta assim que chegam ao aeroporto El Dorado, levando suas poucas economias, sintetiza essa transição brutal. A partir daí, o roteiro de Kim e Hwang Seong-gu revela como Cookie, apelido do protagonista, percebe que sobreviver exige adaptação — mesmo que isso signifique abraçar os aspectos mais sombrios desse novo mundo.
Com o tempo, Cookie torna-se um braço direito leal e temido de Sargento Park, um veterano da Guerra do Vietnã (1955-1975) que construiu um império importando mercadorias de Seul para Bogotá sem respeitar regulamentações e subornando autoridades locais. “Bogotá: Cidade dos Perdidos” então assume uma nova cadência, explorando a ascensão de Cookie e o vínculo que se desenvolve entre ele e seu mentor. Song Joong-ki e Kwon Hae-hyo entregam atuações intensas, guiando a trama por caminhos inesperados, onde lealdade e traição se entrelaçam. No desfecho, a jornada desses personagens ecoa com força, sem dever nada às grandes narrativas de ascensão e queda do crime organizado.
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