Emma Thompson como você nunca viu: o filme imperdível da semana acaba de chegar à Netflix Divulgação / Hulu

Emma Thompson como você nunca viu: o filme imperdível da semana acaba de chegar à Netflix

Histórias sobre a descoberta do prazer feminino geralmente giram em torno da juventude, da primeira experiência arrebatadora e de um suposto despertar imediato. Mas a realidade é outra. Muitas mulheres passam a vida sem conhecer plenamente sua própria sexualidade, aprisionadas por padrões conservadores, repressões internas e relações marcadas pela falta de exploração. “Boa Sorte, Leo Grande”, escrito por Katy Brand e dirigido por Sophie Hyde, posiciona-se como um contraponto a essa narrativa convencional, explorando o desejo sob a perspectiva de uma mulher madura. O filme encontra sua força na sensibilidade de um roteiro que equilibra humor mordaz e emoção genuína, sustentado pela conexão magnética entre Emma Thompson e Daryl McCormack.

Thompson entrega uma das atuações mais destemidas de sua carreira ao dar vida a Nancy Stokes, uma ex-professora viúva que, cansada da monotonia e da frustração sexual, decide contratar um acompanhante. O que poderia facilmente se reduzir a uma comédia de costumes ou um relato caricatural sobre a libertação tardia de uma mulher reprimida transforma-se em um estudo de personagem meticuloso. Nancy é um turbilhão de insegurança e desejo, transitando entre a culpa e a expectativa, o medo e a excitação. Sua postura rígida contrasta com a leveza de Leo, interpretado por McCormack com um equilíbrio preciso entre carisma e introspecção. Ele não é apenas o arquétipo do sedutor experiente que conduz a mulher inexperiente à descoberta do prazer; há uma complexidade em seu comportamento, uma fachada meticulosamente construída que ocasionalmente revela nuances de vulnerabilidade.

A dinâmica entre os dois personagens se desenrola em um quarto de hotel que, apesar de sua neutralidade estética, torna-se um espaço de revelação, confronto e transformação. A fotografia de Bryan Mason captura essa evolução com sutileza, iniciando com uma abordagem estática e formal, remetendo a um teatro de câmara, para depois adotar movimentos mais fluidos à medida que Nancy se permite explorar sua própria sensualidade. A escolha da mise-en-scène não é meramente estilística; ela reflete o gradativo desmoronamento das barreiras emocionais e a transição do desconforto para a entrega.

Dividido em quatro encontros distintos, o filme evita o desenvolvimento linear e previsível. Não há grandes epifanias instantâneas, nem resoluções fáceis. Nancy não se transforma subitamente em uma mulher confiante e desinibida. Pelo contrário, cada interação entre ela e Leo desnuda camadas de suas inseguranças, expondo o peso das convenções que a impediram de vivenciar o prazer ao longo da vida. O sexo, aqui, não é um ato mecânico ou meramente físico, mas um campo de exploração sobre identidade, desejo e aceitação. Quando Nancy confessa jamais ter tido um orgasmo e, mais do que isso, não esperar que isso mude, o filme afasta-se do clichê da “cura mágica pelo sexo” e insere-se em um território mais profundo e humano.

Leo, por sua vez, não se limita a ser um facilitador da jornada de Nancy. Ele próprio é um homem construído sobre uma performance cuidadosamente elaborada, um especialista em criar fantasias para os outros enquanto mantém sua própria identidade à margem. As perguntas de Nancy sobre sua vida real são os únicos momentos em que sua fachada vacila, revelando fissuras na imagem do profissional seguro e imperturbável. Sophie Hyde dirige esses momentos com uma precisão cirúrgica, capturando os pequenos gestos, os olhares furtivos e os silêncios que dizem mais do que qualquer linha de diálogo.

O filme também se destaca por sua abordagem franca e desmistificada do trabalho sexual. Diferente das representações maniqueístas que tendem a romantizar ou demonizar essa profissão, “Boa Sorte, Leo Grande” constrói um retrato sem julgamentos, explorando os limites éticos, emocionais e sociais dessa relação de poder. Nancy, com sua bagagem moral e visão tradicional de mundo, inicialmente enxerga Leo como um jovem vulnerável que precisa ser “salvo”, um reflexo de sua mentalidade paternalista. No entanto, à medida que o vínculo entre os dois se fortalece, ela percebe que sua tentativa de atribuir a ele um papel de vítima é apenas mais um aspecto de seu próprio desconforto em lidar com o desejo e a autonomia feminina.

McCormack, em sua atuação meticulosa, navega por essas nuances com naturalidade. Seu Leo é simultaneamente sedutor e introspectivo, confiante e enigmático, mantendo sempre um controle preciso sobre a situação até o momento em que suas próprias questões vêm à tona. Não há um jogo óbvio de dominação e submissão entre os personagens; o que há é uma dança de emoções onde ambos se desafiam e se transformam.

Thompson, por sua vez, entrega um desempenho que transcende qualquer expectativa. Esqueça a sutileza refinada de seus papéis em dramas de época ou o humor sofisticado de suas comédias britânicas. Aqui, ela se despe — literal e emocionalmente — de qualquer resquício de vaidade, expondo Nancy em sua forma mais crua e vulnerável. Em uma das cenas mais impactantes do filme, ela se encara nua diante do espelho, não como um ato de autopiedade ou vergonha, mas como um momento de aceitação plena de seu próprio corpo e sua história. É um instante de rara honestidade cinematográfica, que ressoa muito além da tela.

Se “Boa Sorte, Leo Grande” se destaca no cenário contemporâneo, é porque ousa tratar o sexo com maturidade e autenticidade, fugindo da esterilidade emocional que marca grande parte do cinema atual. O filme não tem pressa em oferecer respostas ou fechar suas questões com soluções fáceis. Ele compreende que a descoberta do prazer, do desejo e da intimidade é um processo contínuo e muitas vezes desconfortável.

No fim, a verdadeira revolução de Nancy não está em transgredir regras ou superar tabus de forma espetacular, mas em reivindicar para si mesma o direito de sentir — seja o que for, sem culpa ou pressa. É nesse espaço de liberdade, longe dos rótulos e expectativas, que reside a verdadeira potência do filme. “Boa Sorte, Leo Grande” não é apenas uma história sobre sexo, mas sobre humanidade em sua forma mais genuína.

Filme: Boa Sorte, Leo Grande
Diretor: Sophie Hyde
Ano: 2022
Gênero: Comédia/Drama
Avaliação: 9/10 1 1
★★★★★★★★★