Meghan Markle não foi a primeira mulher negra a ocupar um espaço na monarquia britânica, embora sua presença tenha incomodado os setores mais conservadores da realeza e da opinião pública. A história, frequentemente moldada para atender a interesses específicos, muitas vezes encobriu a ascendência africana de figuras históricas. Um dos exemplos mais notáveis é o da Rainha Charlotte, cuja representatividade tem sido apagada ao longo dos séculos. Apesar das tentativas de branquear sua imagem, especialistas indicam que ela possuía ascendência africana, fato respaldado por registros históricos e iconográficos.
O historiador Mario de Valdes y Cocom conectou Charlotte à nobre portuguesa Margarita de Castro e Sousa, descendente de um relacionamento entre o rei Afonso III e uma mulher negra. Essa linhagem afrodescendente teria atravessado gerações, culminando na chegada de Charlotte ao trono britânico. Na época, observações sobre sua aparência foram registradas por personalidades como Christian Friedrich Freiherr von Stockmar, influente na corte inglesa, que a descreveu como “uma verdadeira mulata”. Algumas pinturas do período, como as de sir Thomas Lawrence, retratam a rainha com feições africanas, embora muitas dessas representações tenham sido rejeitadas e ocultadas pela monarquia. Hoje, graças à digitalização e à difusão de informações, essas imagens circulam amplamente e reforçam a discussão sobre a identidade da soberana.
O racismo estrutural, não só no Reino Unido, mas em diversas partes do mundo, contribuiu para a supressão dessas narrativas. Entretanto, a série “Rainha Charlotte”, criada por Shonda Rhimes como um spin-off de “Bridgerton”, resgata essa história e a apresenta sob uma nova perspectiva. A produção dramatiza a chegada de Charlotte à corte britânica, explorando os desafios que ela enfrentou ao se tornar esposa de George III. Nascida em 1761 na Alemanha, filha do príncipe de Mirow, Charles Louis Frederick, e de Elisabeth Albertina de Saxe-Hildburghausen, Charlotte foi escolhida para se casar com o rei da Inglaterra. Embora a união tenha sido arranjada, algo comum à época, o relacionamento se desenvolveu em uma parceria sólida e afetuosa. O casal teve 15 filhos, e George III, notoriamente afeiçoado pelas filhas, desejava que elas permanecessem ao seu lado, evitando casamentos políticos.
Além do romance, a série destaca o interesse intelectual de George III, um monarca fascinado por ciências como física, astronomia, matemática e agricultura. Charlotte, por sua vez, demonstrava inclinação pela botânica e pelo mecenato das artes. No entanto, “Rainha Charlotte” dedica grande parte de sua narrativa ao retrato sensível dos transtornos mentais que afetaram o rei. Tradicionalmente atribuídos à porfiria, esses episódios de instabilidade emocional também levantam hipóteses de transtorno bipolar, estresse e depressão, condições que podem ter provocado alucinações, paranoias e convulsões.
Em seus seis episódios, a produção equilibra romance, drama e intrigas políticas, mantendo o espectador imerso em um enredo que se move com agilidade e profundidade. Embora carregue elementos ficcionais, a série recupera aspectos históricos que foram silenciados, oferecendo uma visão mais ampla sobre a influência de Charlotte e seu papel na monarquia britânica. Seu legado, outrora obscurecido pela historiografia oficial, ressurge como uma peça fundamental na compreensão da diversidade dentro da realeza.
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