31 vezes o orçamento em bilheteria: um sucesso improvável que virou lenda e está de saída da Netflix Divulgação / Polygram Entertainment

31 vezes o orçamento em bilheteria: um sucesso improvável que virou lenda e está de saída da Netflix

A mente humana é um labirinto sem sinalizações, um espaço onde o impensável pode se tornar regra e a sanidade se desfazer entre frestas quase imperceptíveis. M. Night Shyamalan sempre soube explorar as fissuras desse universo, e em “Fragmentado” ele encontra um solo fértil para aprofundar seu olhar sobre as zonas mais turbulentas da psique. No centro dessa experiência, um homem cujo espírito abriga uma multidão, oscilando entre a fragilidade de quem busca um fio de resgate e a brutalidade de um predador que, ao assumir o controle, redefine os limites da realidade ao seu favor. Dentro de si, há um mal insidioso, mas também um lamento silencioso por redenção, ainda que a força que o rege o conduza por um domínio anárquico e obscuro, onde ser refém e ser senhor podem se confundir.

Para dar forma a Kevin Wendell Crumb, antagonista multifacetado que se desdobra em personas diversas, Shyamalan articula sua trama em torno de Casey Cooke, uma jovem deslocada, levada a um evento social onde sua presença é um mero acaso. O diretor constrói sua jornada com peças sutis, pequenas causalidades que poderiam ter sido outras — um carro parado num ponto diferente, um encontro evitado, uma escolha insignificante que, somada a tantas outras, a coloca diante de um destino inescapável.

Na pele de Casey, Anya Taylor-Joy representa mais do que a vítima em potencial; é a peça que o roteiro molda para se tornar parte essencial do conflito, alguém cuja trajetória, marcada por dores invisíveis, ressoa de maneira distinta no caos provocado por Kevin. Afinal, se há uma lógica que governa as circunstâncias, é a de que cada um se move dentro de uma ordem singular, ainda que imperceptível à primeira vista.

James McAvoy se entrega a um desafio monumental, habitando as múltiplas camadas do antagonista com uma entrega impressionante. O roteiro menciona 23 manifestações de sua personalidade, cada uma com nuances próprias, fragmentos de um ser que coexiste em conflito permanente. Entre essas variações, Hedwig, uma criança de nove anos que oscila entre ingenuidade e teimosia, e Barry, um designer nova-iorquino dominado por trejeitos e vaidades, surgem como recortes mais nítidos, enquanto Dennis, a persona mais metódica e implacável, comanda a dinâmica da prisão subterrânea onde Casey e outras duas jovens são mantidas.

O diretor orquestra seu enredo com precisão, explorando diferentes prismas da loucura e do controle, introduzindo a psiquiatra Karen Fletcher, interpretada por Betty Buckley, como a âncora da razão, a voz que tenta compreender e conter o inevitável. Mas o desenlace apenas confirma o que a narrativa já sugeria desde o início: Kevin não pode ser salvo, e o único inimigo que pode vencê-lo é aquele que ele jamais será capaz de derrotar.

Filme: Fragmentado
Diretor: M. Night Shyamalan
Ano: 2016
Gênero: Terror/Thriller
Avaliação: 9/10 1 1
★★★★★★★★★