Ovacionado por dez minutos no Festival de Veneza, o longa-metragem brasileiro “Ainda Estou Aqui”, dirigido por Walter Salles, adapta o relato autobiográfico de Marcelo Rubens Paiva, filho do ex-deputado Rubens Paiva, desaparecido durante a Ditadura Militar. Com sessões esgotadas e grande repercussão nas redes, o filme se tornou um dos tópicos mais discutidos no país. O entusiasmo em torno de sua possível indicação ao Oscar cresce, mas a resposta da Academia permanece incerta. Produções biográficas costumam ser bem recebidas, mas, em geral, quando se referem à própria história norte-americana.
No centro da narrativa está Eunice Paiva, interpretada por Fernanda Torres. Matriarca firme e organizada, comanda a rotina da casa e dos filhos, sem interferir nos compromissos políticos e profissionais do marido. Rubens Paiva, vivido por Selton Mello, é um pai afetuoso e discreto, contrário à ditadura, mas cuidadoso ao expressar suas opiniões. O casal pertence à classe média alta, tem cinco filhos e leva uma vida relativamente confortável. A primogênita, Vera (Valentina Herszage), passa um tempo em Londres e, quando está no Brasil, registra momentos familiares com sua câmera analógica, conferindo à obra um tom nostálgico.
A aparente tranquilidade se desfaz em dezembro de 1970, quando homens à paisana levam Rubens para um depoimento. A ausência prolongada inquieta Eunice, que não compreende os motivos da convocação, já que o marido há tempos não atua ativamente na política. Os agentes garantem seu retorno no mesmo dia, mas isso não acontece. Poucos dias depois, Eunice e a filha Eliana (Luiza Kosovski) também são levadas, vendadas no trajeto. Separadas ao chegarem ao local de detenção, são interrogadas.
Eunice passa dias em uma cela, sem informações sobre a família, enquanto um carcereiro sugere, em confidência, que “não concorda” com o que se passa ali. Doze dias depois, ela é liberada, debilitada e sem qualquer notícia do marido. Eliana, por sorte, retornara para casa após apenas um dia e não sofrera represálias. Já Rubens, segundo versões oficiais contraditórias, teria sido transferido, fugido ou sequer detido. O caso ganha repercussão internacional, mas sem respostas concretas.
Enquanto busca incansavelmente por informações sobre o paradeiro do marido, Eunice protege os filhos da dura realidade. No entanto, sem a principal fonte de sustento, a família enfrenta dificuldades. Primeiro, a empregada doméstica é dispensada. Em seguida, precisam deixar o sobrado litorâneo e o projeto da casa própria, mudando-se para um imóvel menor em São Paulo. Quando Vera retorna da Inglaterra, lamenta ter esquecido lá um casaco que pegou emprestado da mãe, presente de Rubens em uma viagem a Bariloche. Eunice minimiza o ocorrido, mas nos olhos marejados transparece sua dor. Em meio às perdas, aquele casaco simbolizava algo maior: um último vínculo com uma vida que lhe foi arrancada.
No desfecho, Fernanda Montenegro assume o papel de Eunice mais velha. Sem diálogos, transmite apenas pelo olhar a profundidade de uma existência marcada pela resistência e pela perda. Salles, que mantém laços próximos com a família Paiva, imprime à obra uma carga emocional intensa. Entretanto, o salto temporal nos momentos finais confere ao longa um tom novelesco, um traço recorrente no cinema nacional.
Com 91% de aprovação no Rotten Tomatoes, “Ainda Estou Aqui” se aproxima da recepção de “Central do Brasil” (94%), outro marco da filmografia de Salles. A expectativa é que a produção concorra ao Oscar de Melhor Filme Internacional e que Fernanda Torres siga os passos de Fernanda Montenegro, sendo reconhecida pela Academia com uma indicação a Melhor Atriz.
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