A partir de março de 2020, a humanidade passou a ter de encarar a consequência diabolicamente palpável de séculos de degradação ambiental, resultado de uma convivência promíscua e afrontosa entre seres humanos e o meio que os suporta. Este cenário de genuíno caos torna-se ainda mais severo à medida que avultam a inépcia e o descaso com que se conduziu o problema em determinadas partes do mundo, como brasileiros estamos cientes, o que por seu turno presta-se a um caldo onde a paranoia é o mal dentro do mal.
Médicos e profissionais de saúde ganharam o status de verdadeiros mártires e, parece, nunca mais serão vistos como gente como a gente, com seus tantos medos ilógicos e quereres ordinários, ideia que “Heróis de Plantão” torna indisfarçável. Por estarem sempre se cercando de todos os cuidados para que nada fuja ao esperado, no momento em que se veem diante de uma grande reviravolta do destino, ainda que tudo possa tornar ao ponto inicial não muito tempo depois, essas figuras quase sobre-humanas nunca perdem-se de si mesmos e acabam optando pela cautela, o que, em dadas circunstâncias, acaba sendo uma maldição. Baek Gang-hyeok é um homem comum com muitas habilidades, todas elas de alguma maneiras relacionadas à medicina, e é por aí que o diretor sul-coreano Lee Do-yun vai levando a história, distribuída em oito episódios, nos quais o protagonista vivido por Ju Ji-hoon incorpora as várias faces de alguém acima do bem e de todo o resto.
À medida que se vive e se ganha alguma intimidade com a vida, nota-se que o maior prazer dessa entidade divina e diabólica que mantém-nos aqui por um tempo muito curto ou longo demais é nos submeter a seus caprichos, cujo genuíno pretexto ninguém no mundo jamais pode alegar conhecer. A vida passa, felizmente — só por essa razão podemos ter algum controle sobre seus imprevisíveis ardis, e pensar assim não deixa de ser um grande risco —, e vai largando um rastro de destruição irrigado por aquela corrente de lágrimas que vertemos, tantas que salgam o mar, como canta o poeta.
Quase sempre, a convivência entre médicos e pacientes é, cheia de idas e vindas, altos e baixos, situações em que a parte do jaleco branco desaconselha muitas das atitudes que definem e justificam a existência de quem responde pelo lado mais frágil. Lee centra no doutor Baek muito da presunção e da autossuficiência que caracteriza muitos médicos, deixando para deslindar uma súbita vulnerabilidade no oitavo capítulo. De todo modo, não há nada em “Heróis de Plantão” que não tenha sido mostrado em “House, M.D.” (2004-2012) ou “The Good Doctor: O Bom Doutor” (2017-2024), e com muito mais graça.
Série: Heróis de Plantão
Direção: Do-yun Lee
Ano: 2025
Gênero: Drama
Nota: 7/10