Em “Além da Escuridão — Star Trek”, J.J. Abrams mais uma vez revisita o universo da franquia, apostando na onda interminável de refilmagens, reinícios e expansões de narrativas que já tiveram seu auge. O filme resgata personagens e situações consagradas, impulsionado por motivações que ultrapassam o mero interesse artístico. Com isso, oferece um espetáculo visual e narrativo que, se por um lado entusiasma os fãs de longa data, por outro não adiciona camadas substanciais ao legado da série original exibida entre 1966 e 1969 pela NBC. O diretor mantém intactos os elementos que conquistaram os espectadores daquele período, reciclando a atmosfera e os dilemas da tripulação da Enterprise e sua incursão em regiões inóspitas da Via Láctea.
Assim como no “Star Trek” de 2009, Abrams reproduz com fidelidade a estrutura do material original, sem a inventividade que Gene Roddenberry (1921-1991) e sua equipe imprimiram às histórias. O roteiro de Alex Kurtzman, Damon Lindelof e Roberto Orci parte de conceitos estabelecidos e não ousa expandi-los de forma significativa. O espírito desbravador, que antes servia para explorar novas possibilidades narrativas e até desafiar certas convenções da física, dá lugar a um desenvolvimento rigidamente previsível. A trama se ancora na ideia de um deslocamento temporal, sustentando-se na nostalgia sem buscar ampliar a mitologia construída ao longo das décadas.
Ainda assim, há méritos no trabalho dos protagonistas. Chris Pine e Zachary Quinto conseguem imprimir personalidade própria a seus personagens, evocando reminiscências das atuações de William Shatner e Leonard Nimoy (1931-2015), mas sem parecerem meros simulacros. A sequência inicial, ambientada numa selva de tonalidade avermelhada em um planeta desconhecido, estabelece o clima de urgência, embora a introdução não seja particularmente esclarecedora para quem não assistiu ao filme anterior. No cerne do enredo, o capitão James T. Kirk e Spock enfrentam John Harrison, um terrorista que desafia a Federação com propósitos inicialmente nebulosos.
Abrams equilibra ação e humor, intercalando confrontos espaciais com diálogos carregados de referências internas. As interações entre Kirk e Spock preservam a essência dos personagens, enquanto suas discussões ressaltam suas diferenças fundamentais de temperamento e método. O diretor também resgata características icônicas, como o espírito galanteador de Kirk e a personalidade analítica de Spock, sugerindo uma leitura contemporânea de seu comportamento. A dinâmica entre o vulcano e a tenente Uhura (Zoe Saldana) adiciona um elemento de conflito emocional, ainda que a relação dos dois permaneça em um constante vai e vem.
O longa transita entre cenários futuristas de Londres e São Francisco no século XXIII, um período em que a autonomia do pensamento encontra barreiras impostas por uma espécie de censura tecnológica. Dentro desse contexto, a relação de Kirk e Spock assume um papel fundamental na decisão sobre o que deve ou não ser revelado. A presença do comandante Pike (Bruce Greenwood) insere um contraponto dramático interessante, abordando temas como lealdade e sacrifício. Entretanto, o grande momento da trama ocorre apenas na reta final, quando o vilão Khan Noonien Singh entra em cena com pleno vigor. Benedict Cumberbatch, enfim, reivindica para si o posto de grande destaque, justificando sua presença na narrativa e elevando a intensidade do embate.
★★★★★★★★★★