Sergio Leone elevou o faroeste a um patamar mítico, transformando tiros e silêncios em versos de uma balada fúnebre. “Era uma Vez no Oeste” não se limita a narrar o fim de um tempo, mas o encapsula em um espetáculo visual e sonoro, onde cada cena carrega o peso de uma despedida. O filme não apenas revisita os ícones do gênero, mas os conduz ao inevitável crepúsculo, refletindo tanto a transformação do Oeste quanto a mutação da própria linguagem cinematográfica.
A trama, em sua superfície, parece simples, mas guarda camadas de simbolismo que extrapolam a disputa entre mocinhos e bandidos. A ferrovia, mais do que uma linha cortando o deserto, representa a ruína de um mundo governado por pistoleiros e códigos implacáveis. Harmonica, Frank, Jill e Cheyenne não são apenas personagens, mas figuras arquetípicas em seu último ato. Leone, ciente de que o faroeste pertence à memória, conduz seu filme como uma cerimônia de adeus, onde cada olhar e cada nota musical ecoam a iminência do fim.
Visualmente, a obra é um tratado de composição e tempo narrativo. Leone radicaliza sua estilização, transformando o ordinário em rito. A sequência inicial — três homens aguardam um trem sob um sol abrasador — sintetiza essa abordagem. O tempo se estende, povoado por ruídos ínfimos: madeira rangendo, uma mosca zumbindo, água pingando. Quando a ação explode, já estava decidida antes mesmo do primeiro tiro. Essa lógica rege todo o filme: cada gesto, cada pausa, cada nota musical serve a um desfecho inexorável.
Se a imagem é o alicerce da narrativa, a trilha de Ennio Morricone a eleva à dimensão operística. A música não complementa a ação, mas a estrutura. Cada personagem tem sua melodia: a gaita de Harmonica, assombrada por vingança; os acordes distorcidos que prenunciam Frank, gélido e implacável; a composição lírica de Jill, símbolo de renovação. Leone e Morricone criam um diálogo indissociável entre som e imagem, onde a música não apenas acompanha, mas ressignifica o que está em cena.
Diferente da abordagem de sua trilogia dos dólares, onde desmontava os clichês do faroeste, aqui Leone os amplia até o épico. O duelo entre Harmonica e Frank transcende o confronto físico; é um acerto de contas com a própria mitologia do gênero. A revelação do passado fecha um ciclo e faz da vingança um rito inevitável, um gesto que não celebra a justiça, mas legitima a marcha da história.
Entretanto, Leone não se limita a retratar o declínio de um mundo, mas reflete sobre a própria condição do faroeste no cinema. “Era uma Vez no Oeste” não trata apenas do avanço da ferrovia, mas da chegada de uma nova fase da sétima arte, que relegaria os westerns clássicos ao passado. O filme se torna um epitáfio não só para os cowboys, mas para o gênero que os imortalizou. Ao transformar o faroeste em um espetáculo grandioso e melancólico, Leone não apenas presta tributo, mas o encerra com solenidade definitiva.
O impacto da obra atravessa o tempo. Sua estética moldou diretores como Quentin Tarantino, Martin Scorsese e Christopher Nolan, que herdaram seu domínio da estilização e da manipulação do tempo. O western continua existindo, ainda que em formatos reinventados, de “Os Indomáveis” a “Mad Max: Estrada da Fúria”. Leone pode ter filmado o ocaso do pistoleiro, mas sua influência segue viva, sussurrando nos quadros do cinema moderno.
No fim, “Era uma Vez no Oeste” não é apenas uma história de vingança ou de progresso, mas uma elegia. Leone filmou não só o crepúsculo do Oeste, mas a transmutação de um gênero em mito. O velho mundo desapareceu, o cinema avançou, mas sua melancolia persiste, ecoando como o som de uma gaita que se recusa a se calar.
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